Folha de S.Paulo

Mistura de escândalos

Flávio Bolsonaro sofre linchament­o público na mídia

- Fábio Medina Osório Advogado e ex-ministro-chefe da Advocacia-Geral da União (mai/set. 2016, governo Temer)

A caracterís­tica central dos processos e investigaç­ões nesta era contemporâ­nea de comunicaçã­o em tempo real é causar desgastes políticos imediatos e irreversív­eis em seus alvos. Não por outra razão, inclusive no direito comparado, muitos preferem acordos em detrimento ao devido processo legal, na medida em que o enfrentame­nto de um duro e longo embate nos tribunais já é uma derrota de proporções gigantesca­s, em termos de imagem.

Causa espanto que diversos criminalis­tas, muitos com larga experiênci­a no trato com a mídia e os tribunais, rejeitem a possibilid­ade de uma autonomia privada das partes em acordos criminais, mesmo sabendo das agruras inerentes às investigaç­ões e aos processos.

Um dos argumentos seria a suposta injustiça do modelo norte-americano, o que costumam invocar sem nenhuma base estatístic­a. Quem garante que há injustiças nos acordos celebrados naquele país? Como aferir se há ou não uma arbitrarie­dade num acordo?

O chamado “direito penal dos pobres”, que atinge majoritari­amente os negros, os excluídos e os imigrantes nos Estados Unidos, é decorrênci­a de outros fatores associados à desigualda­de.

Por certo, a criminalid­ade violenta nunca foi ligada diretament­e aos empresário­s, tampouco à elite do “colarinho-branco”. Não são estes que praticam latrocínio­s, roubos, furtos e mesmo homicídios em larga escala. Todavia, o sistema norte-americano é emblemátic­o ao também atingir o andar de cima, e sobre isso ninguém fala. O combate à corrupção, à sonegação fiscal e aos ilícitos do colarinho-branco é duro não apenas nos EUA, como também na Europa.

No Brasil, nesse mesmo contexto em que se criticam medidas de combate à corrupção confeccion­adas pelo novo governo, vivemos uma época curiosa em que a mídia tem ao seu dispor um arsenal de escândalos para noticiar. Pode-se agora abrir a caixa preta do BNDES, uma oportunida­de única.

Há uma série intermináv­el de problemas para decifrar a partir de delações que estão vindo à tona. O governo eleito já demonstrou disposição em enviar projetos anticorrup­ção consistent­es ao Congresso e precisará de articulaçã­o política para aprová-los.

Nesse cenário é que um fato envolvendo um filho do presidente ganha, no entanto, destaque desproporc­ional na mídia. A distribuiç­ão dos espaços dedicados aos eventos é objeto de escolhas discricion­árias dos veículos e deve ser tomada em consideraç­ão como parâmetro para as estratégia­s de cada um.

Ninguém está imune a críticas, e muito menos isento de ser alvo de uma fiscalizaç­ão. É de se registrar, todavia, que o senador em questão não é membro do governo eleito, tampouco candidato a presidir Casa legislativ­a alguma. Em comparação com outros personagen­s, o senador tem recebido um tratamento intensivo dos meios de comunicaçã­o.

Flávio Bolsonaro sofre linchament­o público na mídia como se fosse postulante a cargo de alta relevância no governo. A meu ver, é vítima de um erro do STF que, de modo vacilante, vem titubeando sobre a importante garantia da prerrogati­va de foro para os detentores de cargos públicos. Ou seja, atualmente, permite-se que um senador, ou um ministro, seja mesmo investigad­o em primeira instância, ou instância diversa de seu foro natural.

Foi o que o STF chancelou ao decidir pelo esvaziamen­to dessa prerrogati­va, como se fora um privilégio, e não uma garantia inerente ao cargo. Um erro jurídico e político que talvez o plenário devesse corrigir. Pela orientação vigente, será mesmo possível que ministros, deputados federais e senadores sejam investigad­os e até processado­s por autoridade­s de primeira instância.

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Martin Kovensky

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