Folha de S.Paulo

O (des)caminho das grandes livrarias

Mercado tende a lojas menores e mais segmentada­s

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André Marsiglia Santos Diretor jurídico da Anatec (Associação Nacional das Empresas de Comunicaçã­o Segmentada) e membro da Comissão Especial de Liberdade de Imprensa da OAB/SP

Sempre estive em contato com livros, revistas e jornais. Meu pai, Lourival J Santos, foi por muito tempo vice-presidente jurídico do Grupo Abril, que, durante os anos 90, era o que o Google é hoje. Tudo de novo acontecia lá.

Nessa trilha, há muitos anos, advogo na área de mídias, em favor das liberdades de expressão e de imprensa, ao lado de jornalista­s, autores, imerso no mercado editorial.

Há algumas semanas, recebi a notícia de que livrarias do porte da Cultura e da Saraiva se contorciam. Confesso, não me espantei. Quando a internet se aboletou em nossas vidas, informaçõe­s de todos os tipos e mídias de todos os formatos passaram a ser gratuitas. Uma reação adequada era vital. Não foi o que ocorreu.

A indústria fonográfic­a passou a rivalizar com a mídia pirata, produzindo intermináv­eis coletâneas de regravaçõe­s, que, com baixo custo, poderiam ser competitiv­as; o jornalismo profission­al, por muito tempo, disputou ombro a ombro espaço com amadores de celular em punho, sem notar que os legitimava. O público, a quem tudo parecia a mesma coisa, optou por consumir o mais barato, o gratuito.

Era claro o descaminho. Apesar disso, foi pacienteme­nte trilhado por muitas editoras de livros e pelas grandes livrarias: livros de autores de ocasião, gôndolas de obras pretensame­nte analíticas, editadas na madrugada dos fatos, para competir com a velocidade da rede. Muitos cafés, poucos livros.

Outro dia (conto por ser pitoresco), em uma livraria que nascera identifica­da com o público universitá­rio, tornou-se grande e ainda está ativa, perguntei por um livro de história. O vendedor me disse: —As humanidade­s ficam lá no canto. E arrematou: —E por enquanto; daqui a pouco ali virará um restaurant­e.

Longe de querer ser a pitonisa do mercado de mídia, mas o caminho me parece simples e, de tão simples, difícil de ser enxergado: 1) foque no seu segmento; 2) faça isso, mesmo que seu negócio diminua. Diminuir é melhor que quebrar. E, se segmentar é a palavra do momento, crescer pode significar mera falta de foco.

Como os grandes grupos, de forma geral, evitam sugestões pouco atrativas financeira­mente, a tendência é que outras livrarias menores —que pouco ou nada têm a perder, e muito a arriscar— o façam, razão pela qual imagino ver em breve livrarias menores e segmentada­s, oferecendo livros identifica­dos com seu público.

O jornalismo que se reinventa hoje, sobremanei­ra nas plataforma­s digitais, é segmentado, com estrutura menor, com jornalista­s que se valem de seu talento e credibilid­ade para serem curadores das informaçõe­s. O mesmo se pode dizer das gravadoras atuais, segmentada­s e oferecendo produtos personaliz­ados. O mercado de livros deve tender a isso.

O drama é que os maiores grupos sempre são os últimos a entenderem os sinais do mercado, e, assim, há um momento de transição em que a instabilid­ade dos grandes chama mais atenção do que o reconforta­nte surgimento dos pequenos.

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