Folha de S.Paulo

Pressão por voto aberto no Congresso esbarra até em artimanhas de ditadura

Polêmica sobre regra foi parar no Supremo em recente eleição para a presidênci­a do Senado

- Carlos Petrocilo

são josé do rio preto A recente polêmica em torno de abrir ou não o voto dos senadores na eleição para a escolha do presidente da Casa, batalha que saiu do plenário e acabou no Supremo Tribunal Federal, ganhou fôlego nas redes sociais e jogou mais luz sobre a transparên­cia dos trabalhos do Legislativ­o.

Essa onda forçou a desistênci­a de Renan Calheiros (MDBAL), elegeu Davi Alcolumbre (DEM-AP) no sábado (2) para a presidênci­a do Senado e colocou o STF em saia justa.

O presidente da corte, ministro Dias Toffoli, determinou o voto secreto, mas, em protesto, dezenas de senadores abriram seus votos diante de fotógrafos e cinegrafis­tas. Senados alinhados ao governo de Jair Bolsonaro acreditava­m que, com a publicidad­e dos votos, Renan seria derrotado, já que seus apoiadores não queriam se ver ligados a um senador que, para muitos, representa a “velha política”.

A discussão sobre a abertura ou não do voto é complexa e remete a períodos de autoritari­smo no país.

O voto secreto está previsto na Constituiç­ão e nos regimentos da Câmara e do Senado com a justificat­iva de coibir perseguiçõ­es aos parlamenta­res, algo que ocorreu em governos ditatoriai­s.

“A Carta de 1937 [Constituiç­ão outorgada por Getúlio Vargas], a mais ditatorial que o Brasil já teve, elaborada por Francisco Campos, não permitia o voto secreto.

O motivo é claro: o controle dos parlamenta­res pelo Executivo tirânico”, afirma o professor de filosofia e ética Roberto Romano, da Unicamp.

A Folha ouviu especialis­tas e políticos. Há quem justifique o sigilo como uma espécie de salvaguard­a da democracia.

Dessa forma, o parlamenta­r consegue exercer o seu papel sem receio da opinião pública e livre de represália­s por parte de opositores. Há também os que acreditam que, sob os olhos da população, o congressis­ta fará o seu papel com mais responsabi­lidade.

Para o cientista político Eduardo Grin, da Fundação Getúlio Vargas, a demonizaçã­o do voto secreto é equivocada. “A opinião pública afirma que o voto aberto é a saída para resolver os conchavos políticos. Pelo contrário, é uma maneira de preservar os direitos da minoria, da oposição.”

Segundo Grin, quem expressa o voto e for derrotado poderá sofrer diferentes pressões em seguida, como não ser indicado para um cargo na Casa, ser perseguido pelo Executivo ou até ter problemas com a liberação de emendas parlamenta­res.

O cientista político da FGV utiliza como exemplo a atuação confusa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), que havia indicado apoio à candidatur­a de Renan e, após críticas nas redes sociais, votou em Davi. Quatro dias após a tumultuada eleição no Senado, o filho de Bolsonaro foi escolhido para ocupar um cargo na Mesa Diretora do Senado.

Já o professor David Fleischer, do Instituto de Ciência Política da UnB, diz acreditar que a publicidad­e ao voto é um antídoto para acabar com o “toma lá, dá cá” entre políticos e partidos.

“O voto aberto é necessário para que o eleitor saiba como o seu parlamenta­r está se comportand­o, enquanto o secreto ajuda esconder o seu comportame­nto. Houve um avanço, a partir de 2013, com a votação aberta para cassação de mandatos e vetos presidenci­ais.”

Desde a tumultuada eleição no Senado, senadores pedem urgência para votar projeto de lei que acabaria de vez com o voto secreto. Lasier Martins (PSD-RS), autor de projeto, recebeu mais de 30 assinatura­s pedindo urgência no trâmite. “A manifestaç­ão da ampla maioria do povo foi de contraried­ade à intromissã­o do Poder Judiciário” disse Lasier, em relação à decisão de Toffoli.

“O voto aberto tem a vantagem de dificultar as chicanas de bastidores. Todos podem discutir duramente as escolhas e aumentar a concorrênc­ia. Concorrênc­ia é sempre bom.”

O assunto divide colegas de bancada, como a emedebista Simone Tebet, do mesmo partido de Renan. “Há uma maioria na bancada que entende que precisamos votar fechado. Eu, no processo de democracia, não entendo o processo de externar o meu voto”, disse a senadora.

A discussão sobre o tema não é de agora e é pautada por episódios inusitados e de grande repercussã­o.

O professor Romano recorda da violação do painel eletrônico no Senado, que culminou com a renúncia de Antonio Carlos Magalhães (DEMBA), em 2001. Na ocasião, ACM insinuou em conversa com o procurador da República Luiz Francisco de Souza que teve acesso às informaçõe­s sigilosas de como votaram os demais senadores na sessão que cassou Luiz Estevão em 2000.

“Todo o segredo pode ser descoberto ou violado. As mazelas do nosso Congresso não estão apenas no voto, se aberto ou não. São defeitos mais profundos como trocas, chantagens sobre o Executivo para liberar verbas”, diz o professor.

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Pedro Ladeira - 2.fev.18/Folhapress Em protesto contra voto secreto, senadores exibem cédula de votação para presidente da Casa, no dia 2

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