Pressão por voto aberto no Congresso esbarra até em artimanhas de ditadura
Polêmica sobre regra foi parar no Supremo em recente eleição para a presidência do Senado
são josé do rio preto A recente polêmica em torno de abrir ou não o voto dos senadores na eleição para a escolha do presidente da Casa, batalha que saiu do plenário e acabou no Supremo Tribunal Federal, ganhou fôlego nas redes sociais e jogou mais luz sobre a transparência dos trabalhos do Legislativo.
Essa onda forçou a desistência de Renan Calheiros (MDBAL), elegeu Davi Alcolumbre (DEM-AP) no sábado (2) para a presidência do Senado e colocou o STF em saia justa.
O presidente da corte, ministro Dias Toffoli, determinou o voto secreto, mas, em protesto, dezenas de senadores abriram seus votos diante de fotógrafos e cinegrafistas. Senados alinhados ao governo de Jair Bolsonaro acreditavam que, com a publicidade dos votos, Renan seria derrotado, já que seus apoiadores não queriam se ver ligados a um senador que, para muitos, representa a “velha política”.
A discussão sobre a abertura ou não do voto é complexa e remete a períodos de autoritarismo no país.
O voto secreto está previsto na Constituição e nos regimentos da Câmara e do Senado com a justificativa de coibir perseguições aos parlamentares, algo que ocorreu em governos ditatoriais.
“A Carta de 1937 [Constituição outorgada por Getúlio Vargas], a mais ditatorial que o Brasil já teve, elaborada por Francisco Campos, não permitia o voto secreto.
O motivo é claro: o controle dos parlamentares pelo Executivo tirânico”, afirma o professor de filosofia e ética Roberto Romano, da Unicamp.
A Folha ouviu especialistas e políticos. Há quem justifique o sigilo como uma espécie de salvaguarda da democracia.
Dessa forma, o parlamentar consegue exercer o seu papel sem receio da opinião pública e livre de represálias por parte de opositores. Há também os que acreditam que, sob os olhos da população, o congressista fará o seu papel com mais responsabilidade.
Para o cientista político Eduardo Grin, da Fundação Getúlio Vargas, a demonização do voto secreto é equivocada. “A opinião pública afirma que o voto aberto é a saída para resolver os conchavos políticos. Pelo contrário, é uma maneira de preservar os direitos da minoria, da oposição.”
Segundo Grin, quem expressa o voto e for derrotado poderá sofrer diferentes pressões em seguida, como não ser indicado para um cargo na Casa, ser perseguido pelo Executivo ou até ter problemas com a liberação de emendas parlamentares.
O cientista político da FGV utiliza como exemplo a atuação confusa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), que havia indicado apoio à candidatura de Renan e, após críticas nas redes sociais, votou em Davi. Quatro dias após a tumultuada eleição no Senado, o filho de Bolsonaro foi escolhido para ocupar um cargo na Mesa Diretora do Senado.
Já o professor David Fleischer, do Instituto de Ciência Política da UnB, diz acreditar que a publicidade ao voto é um antídoto para acabar com o “toma lá, dá cá” entre políticos e partidos.
“O voto aberto é necessário para que o eleitor saiba como o seu parlamentar está se comportando, enquanto o secreto ajuda esconder o seu comportamento. Houve um avanço, a partir de 2013, com a votação aberta para cassação de mandatos e vetos presidenciais.”
Desde a tumultuada eleição no Senado, senadores pedem urgência para votar projeto de lei que acabaria de vez com o voto secreto. Lasier Martins (PSD-RS), autor de projeto, recebeu mais de 30 assinaturas pedindo urgência no trâmite. “A manifestação da ampla maioria do povo foi de contrariedade à intromissão do Poder Judiciário” disse Lasier, em relação à decisão de Toffoli.
“O voto aberto tem a vantagem de dificultar as chicanas de bastidores. Todos podem discutir duramente as escolhas e aumentar a concorrência. Concorrência é sempre bom.”
O assunto divide colegas de bancada, como a emedebista Simone Tebet, do mesmo partido de Renan. “Há uma maioria na bancada que entende que precisamos votar fechado. Eu, no processo de democracia, não entendo o processo de externar o meu voto”, disse a senadora.
A discussão sobre o tema não é de agora e é pautada por episódios inusitados e de grande repercussão.
O professor Romano recorda da violação do painel eletrônico no Senado, que culminou com a renúncia de Antonio Carlos Magalhães (DEMBA), em 2001. Na ocasião, ACM insinuou em conversa com o procurador da República Luiz Francisco de Souza que teve acesso às informações sigilosas de como votaram os demais senadores na sessão que cassou Luiz Estevão em 2000.
“Todo o segredo pode ser descoberto ou violado. As mazelas do nosso Congresso não estão apenas no voto, se aberto ou não. São defeitos mais profundos como trocas, chantagens sobre o Executivo para liberar verbas”, diz o professor.