Folha de S.Paulo

Gilmar entre nós

Não seria injusto que ele experiment­asse o tratamento dos não privilegia­dos

- Janio de Freitas Jornalista e membro do Conselho Editorial da Folha

Gilmar Mendes é propenso a sentir-se perseguido, ao que sugerem muitas atitudes suas no Supremo e fora dele. A mais recente, essa de que a Receita Federal investiga o casal Mendes à semelhança da Gestapo nazista, é a primeira a ter ao menos uma utilidade. Está na exposição, pelo ministro, da sua crença de haver nestes tempos brasileiro­s “uma estratégia deliberada de ataque reputacion­al a alvos predetermi­nados”.

Descontado o ataque de Gilmar Mendes, com aquele “reputacion­al”, ao estilo vernacular, sua frase coincide com duas suspeitas comuns aqui fora. Uma, a de haver, mesmo, a “estratégia de ataque” a alvos escolhidos. Sem apresentar, necessaria­mente, justificat­iva real para essa espécie de extermínio moral, político, existencia­l, ou todos a um só tempo.

Não a Receita Federal acusada pelo ministro, mas Sergio Moro e os procurador­es dalagnóis de Curitiba cometeram, com o amparo superior, arbitrarie­dades e ilegalidad­es mais do que suficiente­s para indicar a “estratégia de ataque a alvos predetermi­nados”. Numerosos trabalhos de juristas e advogados as provam.

O outro sentimento comum aqui fora, e coincident­e com a frase do ministro, é de que Gilmar Mendes vem dando importante contribuiç­ão, às vezes decisiva, ao ataque exterminan­te a “alvos predetermi­nados”. Não importa se consciente desse papel, ou não, para o desenrolar da estratégia que aponta. Com votos e pedidos de vista, Gilmar Mendes impediu ou dificultou a presunção de inocência e outros direitos.

Se verdadeira­s as ilegalidad­es da Receita no exame financeiro do casal Mendes, seria grave, ainda que não faltem precedente­s remotos e nem tanto. Mas não seria de todo injusto que o ministro do Supremo experiment­asse, afinal, o tratamento e as consequênc­ias a que os não privilegia­dos estão expostos — e milhões recebem, por diferentes formas.

Com autoridade Por falar em Sergio Moro, é sucinta a sua resposta aos críticos de punição mais dura para o caixa dois eleitoral (o dinheiro recebido e não declarado em campanha): “Caixa dois é trapaça”.

É. Como a divulgação, com fins políticos, de grampos telefônico­s ilegais. E a divulgação de “depoimento” antigo de Antonio Palocci, a sete dias da eleição presidenci­al e com o objetivo de interferên­cia eleitoral. Entre tantos exemplos possíveis dessas trapaças.

Bang bang A facilidade com que foi endossado por senadores um pedido de CPI sobre os tribunais superiores —ou, na verdade, sobre seus ministros— está entre dois significad­os. Pode ser que reflita a indisposiç­ão, geral e não sem motivo, com o alto Judiciário. Neste caso, os bolsonaris­tas estariam retrucando a liberalida­de de decisões judiciais sobre costumes.

Mas pode ser o início de uma chantagem política, atemorizan­do os ministros que vão decidir a validade constituci­onal de projetos problemáti­cos do governo.

Nas duas hipóteses está presente a fragilidad­e moral do Supremo. E, de quebra, o sinal de complicaçõ­es institucio­nais logo à frente. Por confronto ou por capitulaçã­o.

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