Theresa May coleciona derrotas no brexit, mas se mantém no cargo
Após reveses e voto de desconfiança, primeira-ministra britânica deve conseguir aprovar acordo
A essa altura, dizer que tem sido penosa a aclimatação de Theresa May, 62, ao número 10 da rua Downing, no distrito londrino de Westminster, já deixou de ser especulação maledicente —é mera constatação.
Inquilina há dois anos e meio da residência oficial da chefia de governo britânica, ela amarga derrotas e dissabores em série desde que, ao virar primeira-ministra, desembarcou no endereço.
Em 2017, menos de um ano depois de assumir a função, a conservadora convocou eleições. Queria dar uma demonstração de força no processo de desligamento do Reino Unido da União Europeia (UE), o brexit, decidido em plebiscito cujo resultado derrubara o antecessor dela, David Cameron.
Foi o primeiro revés. Os conservadores perderam a maioria confortável no Parlamento, e May teve de apelar a uma legenda nanica da Irlanda do Norte para compor sua base.
Mas era só um ensaio para 2018. No meio do ano, quando a primeira-ministra apresentou seu roteiro para a separação, o baque veio em dobro: ministros pediram demissão (inclusive o responsável por tocar o brexit), e líderes europeus desancaram o plano.
Em dezembro, pouco após os lados chegarem aumac ordo, Mayotiroud apautado Parlamento ao pressentir que seria derrotada. Enfureceu até correligionários, que puseram sua liderança em xeque —a manobra não prosperou.
No mês seguinte, o Legislativo rejeitou o pacto e impôs a derrota mais elástica sofrida por um governante britânico no plenário, por uma diferença de 230 votos.
O Partido Trabalhista, de oposição, não demorou para apresentar sua própria moção de desconfiança contra May, que mais uma vez resistiu —só para ouvir de líderes europeus, nos últimos dias, um bem conhecido refrão.
Não haverá recuo, insistem eles, na cláusula do acordo que faz os parlamentares britânicos estrilarem: o meca- nismo previsto para evitara volta de controles rigorosos na fronteira entre Irlanda do Norte (parte do Reino Unido) e a Irlanda (membro da UE).
Diante do histórico conturbado, como pode afilha de pastor anglicano formada em Oxford ainda não ter abandonado Downing Street? De onde vem tamanha resiliência?
“Ela tem um senso de dever, quase que de destino”, diz Tim Bale, professor de política na Universidade Queen Mary, em Londres. “Encara a condução do brexit como uma missão. Como todo primeiro-ministro, acredita no mito de que é indispensável.”
Porém o arroubo de vaidade talvez não esteja tão descolado assim da realidade, avalia Bale. “Não existe ninguém que dialogue com as alas pró e antibrexit do Partido Conservador como ela. E, para ser sincero, não há quem deseje a chefia de governo enquanto o Reino Unido não tiver saído da UE.”
Para Ros Taylor, gerente de pesquisa da Comissão Verdade, Confiança e Tecnologia na LSE (London School of Economics), May também se beneficia da fixação de seus correligionários pela figura de Margaret Thatcher (19252013), única mulher a preceder a ocupante atual no número 10 de Downing Street.
“Embora sejam bem diferentes, a ideia de uma mulher pouco afável, mas capaz de liderar seus colegas, está muito incrustada na psique conservadora e as une”, afirma Taylor, ex-repórter do jornal Guardian que hoje edita um blog sobre o brexit. “May se vale dessa imagem da dama de ferro, gosta do estilo ‘os homens fracassaram, foram incompetentes, cabe agora a mim fazer o que é preciso’.”
O que não deixa de ter um sabor de vingança para quem, segundo a biógrafa Rosa Prince, era vista pelo partido como aplicada no trabalho, eficiente e confiável, mas opaca, sem vocação para a liderança.
Para além da narrativa da parlamentar diligente saída da “Inglaterra profunda” (Oxfordshire) para enfrentar os machos alfa cosmopolitas, Bale vê May como sua própria inimiga número um. Tudo começa a degringolar, aponta ele, com a leitura (supostamente equivocada) que ela faz do resultado do plebiscito de 2016.
“Ela entendeu que o recado dado pelos eleitores tinha a ver com [um desejo de reduzir a] imigração”, diz o pesquisador. “Isso automaticamente excluía a possibilidade de o Reino Unido permanecer no mercado comum europeu, já que, para ficar, seria preciso respeitar o princípio da livre circulação de pessoas.”
A elas se somaria uma terceira “linha vermelha”: a saída da união aduaneira da UE, a fim de que Londres pudesse firmar os acordos comerciais que bem entendesse.
“Por ter se declarado própermanência antes da con- sulta, May se sentiu obrigada a dar uma guinada radical para o outro lado ao chegar ao poder e prometeu o mundo aos pró-brexit”, afirma Bale.
Taylor não acha que May tenha interpretado mal o voto majoritário, mas concorda em que ela foi condescendente com sua bancada.
“May pôs os interesses e as demandas dos eurocéticos do Partido Conservador no centro da política para o brexit. O ‘backstop’ é só um bode expiatório. Se não existisse, eles teriam achado outra coisa de que reclamar. A esta altura, nada vai ser suficiente para agradar aos mais radicais.”
Em que pesem a inflexibilidade e a inépcia comunicativa da primeira-ministra, analistas dizem acreditar que o acordo que ela arrancou da UE acabará passando pelo crivo do Legislativo.
Quanto ao futuro de May em Downing Street, tudo vai depender do desempenho da economia, avalia Taylor.
“Também é preciso considerar que não há outro líder no horizonte, uma figura como [o presidente francês Emmanuel] Macron, que pudesse despontar e criar algo novo. Os partidos britânicos estão dilacerados e, historicamente, resistem a novidades”, conclui.