Folha de S.Paulo

Ídolo dos Bolsonaros é tóxico

Um olhar sobre as bobagens de Matteo Salvini

- Clóvis Rossi Repórter especial, membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot

O bolsonaris­mo tem adoração publicamen­te manifestad­a por Matteo Salvini, ministro do Interior da Itália e principal líder da Liga, o xenófobo grupo que nasceu como Liga Norte.

Vale a pena, pois, dar uma espiada no que está acontecend­o na Itália de Salvini, para o caso de que os Bolsonaros resolvam imitar as besteiras que Salvini pratica.

A mais recente é insólita e inédita desde junho de 1940, quando o embaixador francês, André François-Poncet, teve que deixar precipitad­amente a Itália, após a declaração de guerra do fascismo italiano, que então ocupava o poder, à França.

Agora, é a França que chama de volta seu embaixador em Roma, Christian Masset, devido ao que a chancelari­a francesa chama de “acusações repetidas”, “declaraçõe­s ofensivas”, “ataques sem fundamento” e “ingerência­s sem precedente­s” desde o fim da guerra (a de 1939-45).

Tudo praticado pelos dois vice-presidente­s do Conselho de Ministros italiano, o tal de Salvini e seu colega Luigi Di Maio, do Movimento 5 Estrelas, também populista, mas de outra cepa.

A gota d’água foi o apoio dos dirigentes italianos ao movimento dos “coletes amarelos” que estão se manifestan­do repetidame­nte na França, protestos que geralmente terminam em quebra-quebra.

Sem entrar no mérito do movimento, que ainda não está bem decodifica­do, pergunto: como reagiria o bolsonaris­mo se Nicolás Maduro mandasse um representa­nte (ou algum de seus paramilita­res) para apoiar uma invasão qualquer do MST?

É isso que faz a Liga que a turma do presidente brasileiro tem como parte de sua futura fraternida­de universal. Gente disruptiva por excelência, certo?

Suspeito que Paulo Guedes, o braço liberal do bolsonaris­mo, não tem maior simpatia por Salvini e sua turma. O governo italiano apresentou proposta orçamentár­ia que aumenta o déficit público, bem o oposto das intenções de Guedes. E olhe que a dívida italiana, como proporção do PIB, é bem maior que a brasileira.

O governo de que Salvini é a face mais evidente (e mais agressiva) não vai bem das pernas: cresceu magro 1% em 2018 e, para 2019, a previsão de cresciment­o é magérrima (0,2%), o mais débil em cinco anos.

É verdade que a Itália vem tendo desempenho econômico medíocre há muito tempo,masaLigaeo­5Estrelas foram eleitos justamente para escapar da mediocrida­de. Não o conseguira­m em seus sete meses de governo.

Pode ser pouco tempo, mas uma fatia dos italianos parece achar que é muito: o Istat, o IBGE italiano, informou na quinta-feira (7) que cerca de 160 mil italianos mudaramse para o exterior no ano passado, o maior número de emigrantes desde 1981.

Ou seja, o governo supostamen­te da “nova política” está sendo incapaz de dar esperança à ponderável fatia de italianos, que preferem tentar encontrá-la fora do país.

Ah, se o bolsonaris­mo reclama do vice Hamilton Mourão, na Itália é pior: Salvini fechou o país para o desembarqu­e de imigrantes. O presidente do Conselho de Ministros, Giuseppe Conte, escolhido pela própria Liga e pelo M5S, foi à televisão para dizer que, “se não permitem os desembarqu­es, irei eu mesmo buscálos em meu avião”. Mourão não chegou ainda a tanto.

Vê-se, pois, que um dos modelos favoritos do bolsonaris­mo é profundame­nte tóxico. Alguma surpresa?

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