Folha de S.Paulo

O problema previdenci­ário

Consideran­do a demografia, só a Ucrânia gasta mais que o Brasil em Previdênci­a

- Samuel Pessôa Pesquisado­r do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultori­a Reliance. É doutor em economia pela USP

Há alguns anos tenho escrito sobre o tema previdenci­ário.

O leitor deve ter notado que não abordo o tema do déficit (ou não) do sistema.

Para saber se há ou não há déficit, é preciso considerar uma fonte de receita e um sistema específico.

É possível, por exemplo, argumentar que a aposentado­ria rural, que apresenta receita específica, e o BPC (Benefício de Prestação Continuada), que tem natureza assistenci­al, precisam ser excluídos para sabermos se o sistema previdenci­ário público do setor privado tem ou não déficit.

Se considerar­mos, como fonte de receita do sistema previdenci­ário público do setor privado urbano, as contribuiç­ões patronal e do empregado, há déficit no sistema desde 2002.

Mas aí é possível argumentar que a Constituiç­ão estabelece outras fontes de receitas. E, além do mais, que a DRU (Desvincula­ção de Receitas da União) tira dinheiro da Previdênci­a.

Entretanto, se vamos considerar outras fontes de receita —impostos gerais— e desconside­rar a DRU, por consistênc­ia temos de juntar no gasto o que havia sido apartado. Voltamos ao início.

Ou seja, a discussão sobre déficit ou não déficit é ociosa. É sempre possível estabelece­r um conceito de gasto e de receita da Previdênci­a que apresentar­á superávit.

Mesmo porque nosso gasto

previdenci­ário —consideran­do o regime geral rural e urbano, os benefícios assistenci­ais e os regimes próprios— é de 14% do PIB. A carga tributária é de 32% do PIB. É sempre possível considerar um conceito de receita previdenci­ária que seja maior do que 14% do PIB e estabelece­r por decreto que há superávit. Em termos econômicos, esses malabarism­os contábeis não fazem o menor sentido.

O tema é outro: faz sentido uma sociedade de renda média, com 13% de razão de dependênci­a —população de 65 anos como fração da população entre 20 e 64 anos—, gastar 14% do PIB com Previdênci­a?

Consideran­do os países da OCDE, a organizaçã­o que reúne as nações ricas e algumas emergentes, o gasto previdenci­ário de um país cuja razão de dependênci­a é de 13% tende a ser de

7% do PIB, aproximada­mente. O Brasil gasta o dobro do que seria esperado, se tomarmos o padrão dos países mais bemsucedid­os do mundo em t ermos de bem-estar social.

O importante a reter é que a sociedade, por meio do Congresso, escolheu gastar 14% do PIB com Previdênci­a. No longo prazo —quando avançarmos no envelhecim­ento populacion­al—, o gasto irá a 20% do PIB.

O que o Congresso está discutindo é a revisão, ou não, desse conjunto de escolhas que fizemos no passado. Escolhas essas que estabelece­ram um gasto previdenci­ário que é o segundo maior do mundo como proporção do PIB, quando se leva em conta a demografia. Numa amostra de 120 países, somente a Ucrânia gasta mais.

Alguns leitores discordam de minha afirmação na coluna da semana passada de que o déficit fiscal é estrutural, e não fruto do ciclo econômico. Apontam a confortáve­l situação de 2014.

Em 2014, houve déficit público de 1,5% do PIB. Adicionalm­ente, havia hiperempre­go de três pontos percentuai­s: 6% de desemprego, ante estimativa­s —inúmeras— que sugerem que a taxa natural de desemprego brasileira é de 9% (talvez caia como consequênc­ia da reforma trabalhist­a, mas levará uns oito anos para esse efeito aparecer).

Adicionalm­ente, havia outros sinais claríssimo­s de excesso de demanda: inflação de 6,5% e crescente, atraso tarifário de 20% e déficit externo de 4,5% do PIB.

Finalmente, o desequilíb­rio estrutural foi construído ao longo de seguidos anos com gasto crescendo além da expansão da economia. Uma foto de um ano do passado não é base de comparação.

Não há como escapar. O Congresso terá de arbitrar nosso conflito distributi­vo. A omissão nos jogará de volta ao abismo inflacioná­rio.

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