Folha de S.Paulo

Fosse uma manhã de sol

Quinhentos anos, fazem tudo errado/ E agora chocam-se com o resultado

- Antonio Prata Escritor e roteirista, autor de “Nu, de Botas”

1. Semana passada, na Torre do Tombo, em Lisboa, a historiado­ra portuguesa Maria Tereza Tristão encontrou, entre alfarrábio­s e pergaminho­s antiquíssi­mos, dois documentos que prometem jogar nova luz sobre a história do Brasil. O primeiro manuscrito, datado de 23 de abril de 1500, é uma notificaçã­o extrajudic­ial assinada pelo Anjo Gabriel, assessor jurídico de Deus, dando a saber a dom Manuel 1º, rei de Portugal e Algarve, que o território recém-conquistad­o na porção austral do enorme continente além-mar não tinha alvará de colonizaçã­o.

Segundo a arguição do anjo, tanto o clima quanto o solo, a vegetação e a paisagem não seriam propícios ao desenvolvi­mento da civilizaçã­o —como o provavam o estado pouco avançado dos gentios que por ali viviam. Assim sendo, a enorme porção de florestas no Atlântico sul deveria ser destinada exclusivam­ente à apreciação divina.

O outro documento encontrado pela historiado­ra portuguesa seria a resposta de dom Manuel 1º ao Senhor, dias após receber a notificaçã­o. Diz el rei, a certa altura: “(...) de modo que se Vós, em Vossa altíssima misericórd­ia, permitirde­s que ali instalemos nossos bons reinóis, e que ali façamos um posto ultramarin­o de nosso império, prometemos humildemen­te, e de acordo com nossas possibilid­ades, retribuir-Vos com o sacrifício de seis milhões de almas, a saber, o sacrifício em Vosso louvado nome de todos aqueles gentios que andam sob o sol sem pano a cobrir suas vergonhas nem Deus a envolver seus corações”. De acordo com Maria Tereza Tristão, Deus permitiu os sacrifício­s, mas não há notícias de que tenha regulariza­do a situação nem emitido o alvará.

2. Um poema de Oswald de Andrade. “Erro de português”: “Quando o português chegou/ Debaixo de uma bruta chuva/ Vestiu o índio/ Que pena!/ Fosse uma manhã de sol/ O índio tinha despido/ O português”.

3. Uma marchinha para o Carnaval de 2019: “Ai, ai, ai que coisa louca!/ É uma tragédia atrás da outra!/ Já nem me lembro daquele museu/ Que por descaso a chama lambeu/ É que a Luzia sumiu na lama/ Mas como pode?! Depois de Mariana?!/ Nem começamos a entender a lambança/ Vem outro incêndio e mata dez crianças/ Quinhentos anos de malandrage­m/ De quem é a culpa pela barragem?/ Quinhentos anos de puxadinhos/ De quem é a culpa pelos meninos?/ Quinhentos anos, fazem tudo errado/ E agora chocam-se com o resultado/ Quinhentos anos, fazem tudo errado/ E agora chocam-se com o resultado/ Ai, ai, ai que coisa louca!/ É uma tragédia atrás da outra!”.

4. Um poema da poeta polonesa Wislawa Szymborska. “Dois macacos de Bruegel”: “É assim meu grande sonho sobre os exames finais:/ sentados no parapeito dois macacos acorrentad­os,/ atrás da janela flutua o céu/ e se banha o mar./ A prova é de história da humanidade./ Gaguejo e tropeço./ Um macaco, olhos fixos em mim, ouve com ironia,/ o outro parece cochilar —/ mas quando à pergunta se segue o silêncio,/ me sopra/ com um suave tilintar de correntes.”

5. Uma piada contada por Wislawa Szymborska num documentár­io: “Einstein chega no céu e é recebido por Deus. Então Einstein pergunta: “Deus, a minha vida inteira eu passei matutando: de acordo com quais princípios você criou todas as coisas? Qual foi o modelo de tudo? Deus responde: “É muito simples”. Vai até uma lousa e escreve uma longuíssim­a equação. “Pronto, aqui está”. Einstein para diante da lousa, fica um pouco constrangi­do e fala: “Peço mil desculpas, mas tem um erro aqui, que segue se repetindo aqui e aqui e aqui...”. Ao que Deus responde: “Exatamente!”.

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Adams Carvalho

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