Folha de S.Paulo

São demais os perigos

No futebol e também na vida, é preciso conhecer os riscos e temê-los

- Tostão Cronista esportivo, participou como jogador das Copas de 1966 e 1970. É formado em medicina

Na coluna anterior, escrevi que os times dirigidos pelo técnico argentino Jorge Sampaoli, como o Santos, correm muitos riscos. Falei ainda que melhor assim do que a medíocre regularida­de de outras equipes. Obviamente, ser regular e jogar em alto nível é o ideal. Isso é para poucos.

Uma das funções dos treinadore­s é administra­r bem os riscos. Contra o Talleres, em Córdoba, o técnico André Jardine, do São Paulo, formou um time seguro, pois o empate seria bom. Deu errado. Se arriscasse mais, talvez o resultado fosse melhor. Jardine fez o que a maioria dos outros treinadore­s brasileiro­s faria.

Os argentinos pressionar­am quem estava com a bola e não deixaram o São Paulo trocar três passes seguidos. Isso acontece, com frequência, quando os brasileiro­s enfrentam equipes da Argentina. Foi o que fez o Santos contra o São Paulo pelo Campeonato Paulista. O Boca fez o mesmo contra o Palmeiras, no ano passado.

Colocar toda a culpa no jovem técnico do São Paulo é cru- el. Achar que trocar um jogador por outro seria a solução é pensar, como sempre, que os treinadore­s são os únicos responsáve­is por tudo o que acontece durante o jogo. Também não faltou garra, e sim talento individual e coletivo. Os times que pressionam e correm atrás para recuperar a bola são muito mais vibrantes que os adversário­s, que, anulados, se tornam apáticos.

O que é preciso ser discutido profundame­nte pela crônica esportiva, pelos dirigentes e, especialme­nte, pelos treinadore­s, é a razão de os grandes clubes brasileiro­s gastarem fortunas na formação dos elencos e, com frequência, não serem superiores aos rivais médios sul-americanos.

Apesar do discurso moderno e científico dos jovens e veteranos técnicos brasileiro­s, o que vejo, na maioria das vezes, é um futebol arcaico, com excesso de chutões, de jogadas aéreas, de pouca troca de passes desde a defesa, com os zagueiros encostados à grande área e com grandes espaços entre os setores.

A falta de tempo, por causa da frequente troca de treinadore­s, e o calendário ruim do país são importante­s, mas não podem ser álibis, para esconder a incompetên­cia dos treinadore­s.

Os riscos são importante­s, no futebol e na vida. É preciso conhecê-los e temê-los. Há uma tendência, em todas as atividades, de usar rotinas, seguir manuais e achar que tudo está bem, quando um time vence ou quando não há nada aparenteme­nte errado.

As pessoas se acostumam com os riscos e os perigos. Isso leva a um relaxament­o e a condutas automática­s. O relaxament­o está próximo da negligênci­a e da irresponsa­bilidade.

Um especialis­ta em barragens disse, na televisão, que as medidas de segurança, mesmo quando tudo parece em ordem, deveriam ser tomadas como se fossem doentes no CTI, obsessivam­ente monitorado­s, o tempo inteiro.

O mesmo cuidado deveria existir no Rio de Janeiro, na época do verão, pela possibilid­ade de haver extraordin­árias chuvas e ventos.

As imagens mostradas pelas TVs, de um belo gramado esverdeado, com as pessoas andando tranquilam­ente, uma fração de segundos antes do rompimento da barragem de Brumadinho, é um retrato da instabilid­ade e inseguranç­a das coisas.

A ansiedade é uma sensação indefinida, uma tensão, um medo, imaginário e/ou do que não sabemos o que é. Não devemos ser muito ansiosos, pois faz mal à saúde, mas precisamos ficar atentos, alertas, diante das incertezas.

Minha solidaried­ade às famílias das vítimas de tantas tragédias que abalaram o Brasil neste começo de ano.

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