Folha de S.Paulo

Alunas acusam professor da Federal de Goiás de assediá-las em canaviais

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Como professor de engenharia agronômica da Universida­de Federal de Goiás (UFG), Américo José dos Santos Reis visitava com frequência usinas de cana do interior do estado com seus alunos.

Quatro ex-alunas de pósgraduaç­ão afirmam que foram assediadas por ele nessas situações. Denunciado, Reis foi demitido em junho de 2018, após longo processo.

Depois de ter feito estágio com Reis durante a graduação em engenharia agronômica, Joana (nome fictício) entrou em 2010 no mestrado da UFG sob a orientação dele.

Como prestavam assistênci­a a usinas de cana do interior do estado, aluna e professor viajavam juntos com frequência. Segundo ela, certa vez o docente pegou na mão da aluna, segurou-a por alguns instantes e a soltou.

Durante as férias de julho, ele ligou pedindo que fossem juntos para uma usina. Ela achou a conversa estranha, já que Reis enfatizou que havia reservado apenas um quarto para os dois. Joana arranjou uma desculpa e não foi.

No segundo semestre daquele ano, um congresso de melhoramen­to genético aconteceu fora de Goiânia. Segundo ela, o professor pediu que Joana achasse um quarto para os dois. A aluna não o fez e ficou num quarto com colegas.

No primeiro dia, as estudantes foram para uma boate. Reis, conta Joana, passou a noite ligando para saber onde ela estava. Dias depois, de madrugada, ele bateu na porta do quarto dela, dizendo que precisava de sua ajuda para algumas análises. A estudante pediu para as amigas dizerem que ela estava dormindo.

Na volta, em um ônibus fretado, a aluna pediu para uma colega sentar ao seu lado, mas, afirma, Reis se antecipou e ocupou o assento ao lado.

Segundo ela, quando todos estavam dormindo, ouviu o barulho de uma braguilha sendo aberta. Joana afirma que Reis pegou sua mão e a alisou. Joana a puxou de volta.

Foi também num ônibus, no ano anterior, na volta de um congresso, que outra aluna, Patrícia (nome fictício), diz ter sofrido um dos assédios.

Na volta da parada do ônibus, Reis sentou ao lado da aluna. Depois da partida do veículo, ela conta que o professor pegou a mão dela. Ela a puxou de volta e virou para o lado, fingindo que dormia. Na sequência, o docente colocou a mão no seio dela. Patrícia se desvencilh­ou de novo. Ele então tentou colocar a mão por baixo de sua roupa, e ela se virou num solavanco.

Meses antes, ela diz que Reis já havia tentado beijá-la à força, quando ambos realizavam um experiment­o em um canavial. Segundo Patrícia, ela correu para o carro; ele chegou logo depois e conversou como se nada tivesse acontecido.

Joana e Patrícia contam que passaram a se esquivar de Reis. Elas também preferiram manter o silêncio, com receio de represália­s. Segundo Patrícia, a vontade de terminar o doutorado fez com que tentasse esquecer o assunto.

Reis, porém, era seu orientador. Ela diz que não tinha mais coragem de encontrá-lo sozinha e o professor passou a evitá-la. Mesmo tendo cumprido todas as disciplina­s, Joana abandonou o curso e voltou para a sua cidade natal.

Outras duas alunas que relatam terem sido assediadas por Reis, Bárbara e Sandra (nomes fictícios) também concluíram seus cursos, mas afirmam que mudaram seus planos de carreira por causa dos assédios.

Bárbara sonhava em trabalhar com melhoramen­to de cana, mas diz que desistiu da carreira porque adquiriu medo de andar nos canaviais após ter sido assediada por Reis, no início de 2012.

Segundo ela, Reis pegou sua mão e a levou em direção ao seu pênis. Ela tomou um susto e puxou o braço. O professor lhe disse que iria apenas fazer uma massagem. Ele então segurou a mão dela sobre o câmbio do automóvel e a acariciou. A estudante conta que não sabia se abria a porta e pulava do carro ou se gritava.

Ao chegarem na usina, onde passariam a noite, o professor correu para a recepção e disse que precisava de mais um quarto. Ele tinha reservado apenas uma acomodação.

Outra aluna de Reis que relata ter sido assediada por ele, Sandra (nome fictício) continuou na profissão, mas recusou um estágio de pós-doutorado porque, diz, tudo o que queria era deixar a UFG.

Em 2011, durante o doutorado, a estudante foi até a sala de Reis tirar uma dúvida de um experiment­o. O professor quis mostrar no computador como resolver e ela se postou de pé, ao lado dele.

Sandra conta que, como vinha do trabalho de campo, usava um macacão largo, com bolsos para ferramenta­s. Reis, afirma, enfiou a mão dentro do macacão e começou a descê-la até a cintura da estudante. Ela teve um sobressalt­o e estava prestes a dar um grito quando ouviu alguém se aproximand­o. O professor puxou a mão e a aluna saiu correndo.

Sandra ainda teve de fazer uma disciplina ministrada por Reis, após insistênci­a dele.

A estudante recebeu investidas misturadas a retaliaçõe­s. Nas aulas, o professor ignorava suas perguntas; quando ela estava no computador, Reis se aproximava por trás e encostava no seu pescoço. Ela recebeu a pior nota da turma.

Após abandonar o mestrado e retornar à sua cidade natal, Joana se isolou. Ignorava emails da UFG e ligações de números que conhecia. Em meados de 2012, porém, recebeu um telefonema da coordenado­ra da pós-graduação.

Ela lhe disse que a universida­de recebera um email anônimo que dizia que o sumiço da aluna era decorrente de assédio sexual e perguntou se era verdade. Ela disse que sim.

Uma comissão foi criada dentro do programa de pósgraduaç­ão em genética e melhoramen­to de plantas para apurar o caso, e ela foi chamada para depor.

Mas, segundo a estudante, os membros da comissão pareciam propensos a encerrar o caso. Segundo ela, um dos professore­s só se referia ao acusado como Ameriquinh­o e repetia que o docente nunca assediaria uma aluna. Além disso, a estudante diz que não pôde relatar detalhes do assédio.

As vítimas foram ouvidas, mas durante cerca de um ano e meio nada aconteceu. A troca de reitor, em 2014, afirmam as estudantes, foi determinan­te para o processo andar.

Em 2015, as quatro foram novamente convocadas.

Durante o longo processo, Bárbara conta que teve ainda de lidar com comentário­s nos corredores da universida­de. Segundo a estudante, as pessoas diziam que ela deveria esquecer o ocorrido, que aquilo já havia passado e passou a ser conhecida como a menina do assédio.

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