Inteligente e moralista, filme crê na força misteriosa da arte
O que nos leva a pagar US$ 5 ou US$ 10 milhões por arte? Pagamos por aquilo que não pode ser comprado.
Dan Gilroy fez seu primeiro filme em 2014, “O Abutre”, uma obra-prima. Nela, pôs em cena o cinismo jornalístico, extremando-o. “Velvet Buzzsaw” agora retoma os dois atores principais de “O Abutre”: Jake Gyllenhaal e Rene Russo, que é mulher do diretor.
O foco é tão centrado quanto o do precedente, mas o atual é menos demonstrativo. Examina o mundo das artes: galeristas, museus, críticos e artistas. E incorpora o sobrenatural, que parece surgir —naturalmente.
A arte é concebida no filme como materialização do “mundo invisível”. Velho tema explorado pelos românticos. Gilroy não hesita em buscar nele os clichês, sobretudo o das obras que tomam vida e são capazes de punir com a morte. Quer sejam tatuagens, street art, instalações, arte robótica e, soberana, a pintura. Faz isso com ironia, “tongue in cheek”. Mas despreza a mercantilização da arte.
Nada foge do mercado artístico que, voltado para o rendimento sem freios, não se importa com a verdade criadora. A arte contemporânea tem algo de perigoso, radioativo. Escapa do acolhimento oferecido pelo recuo histórico, ficando à mercê dessa cadeia ecológica de marchands, críticos e galeristas.
O grande artista, encarnado por John Malkovich, é uma casca vazia. Vive do lucro que lhe dão as reproduções do que fez no passado. No final, desenha na areia que o mar vai apagar —metáfora evidente.
Tudo é metafórico nesse filme sutil e inteligente. Um velho faxineiro produziu quadros por décadas às escondidas. Deveriam ser destruídos após a sua morte. Mas o mercado os descobre. Sua arte é então liberada como uma epidemia viral.
Vírus que ataca o crítico, os interesses cínicos do lucro e o organismo enérgico do meio artístico. Gilroy é impiedoso com os que traíram os ideais autênticos, pois, moralista no melhor sentido, crê na objetividade do imaterial, do invisível, da força tão antiga e misteriosa própria à obra de arte.