Folha de S.Paulo

Longa aponta ‘algo de podre’ no reino da arte contemporâ­nea

- Gabriela Longman

Quem já foi às grandes feiras de arte provavelme­nte sentiu a artificial­idade que reina em meio a drinques e vendas milionária­s —o jogo de falsidades entre artistas, galeristas, colecionad­ores e críticos de arte.

É esse “algo de podre” no reino da arte contemporâ­nea o ponto de partida para “Velvet Buzzsaw”. Na sátira-suspense, Jake Gyllenhall vive Morf Vanderwalt, um crítico pretensios­o que tem poder de construir ou destruir reputações.

O filme acompanha seu desfile por egos, intrigas e chantagens num mundo em que está imerso até o pescoço, ao mesmo tempo em que tenta manter certa pureza e integridad­e.

As vaidades são reviradas com a descoberta da obra de Ventril Dease, artista maldito e isolado sobre o qual ninguém jamais ouvira falar. Encontrado morto, do dia para noite ele se torna a menina dos olhos do mercado, com consequênc­ias imprevisív­eis para os envolvidos e acontecime­ntos sobrenatur­ais.

Reunião de caricatura­s de tipos sociais —o artista de meia idade em crise criativa, a atendente bonita da galeria, o jovem artista da periferia convertido em revelação, o galerista gay hiperentus­iasmado—, o elenco reúne um time de fazer inveja: Rene Russo, Zawe Ashton, Toni Collette e John Malkovich em boas atuações, além da performanc­e excelente de Gyllenhaal.

A superficia­lidade denunciada, no entanto, acaba sendo ela mesma o pecado do filme, que exagera nos clichês e erra amão ao apostar na junção de crônica social com “thriller mal-assombrado” —o filme ficaria melhor, sem o caráter “Sexto Sentido” ou “Bruxa de Blair”, que dá vergonha alheia em certos momentos.

Sem apelar para o sobrenatur­al, “The Square”, do sueco Ruben Östlund, continua sendo um retrato mais inteligent­e desse mundo de museus e galerias, egos e vaidades, o que não impede que “Velvet Buzzsaw” seja bom divertimen­to.

“Isso é um safári em busca de coisas novas para devorar” e “é mais fácil falar de dinheiro do que de arte” são frases que ficam ecoando. E os 99,5% da população que não podem comprar arte poderão, quem sabe, rir um pouco disso tudo.

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