Folha de S.Paulo

É saudosista pôr crítica, que já não apita nada, no nível do mercado

- Fabio Cypriano

“Uma crítica ruim é melhor do que cair no buraco de ser anônimo”, diz Morf Vandewalt, o crítico-clichê de “Velvet Buzzshaw”, como se a crítica ainda tivesse importânci­a no já avançado século 21.

Críticas fizeram e desfizeram carreiras. No Brasil, o caso mais lembrado é sempre o texto de Monteiro Lobato sobre Anita Malfatti, de 1917, que provocou uma guinada na carreira da pintora.

Nesse sentido, o filme pode ser visto até como saudosista ao colocar no mesmo nível a crítica e o mercado de arte, mas é bem realista em relação a essa segunda categoria.

Críticos, hoje, não apitam nada. Seguimos interlocut­ores de artistas, ajudando a criar uma ponte entre a produção artística e um público mais amplo, ou então pontuando questões do circuito que nem sempre são tão óbvias. Mas isso não representa mais ser possível provocar alterações significat­ivas de rota.

Há muitos agentes no atual circuito de arte que possuem muito mais força do que os críticos há cem anos, como curadores, colecionad­ores, galeristas e consultore­s.

Críticos podem ajudar a dar um verniz a mais, mas quem faz e destrói carreiras, como o filme retrata até bem, são especialme­nte os outros agentes, galeristas e consultore­s, alguns ainda por idealismo, muitos por dinheiro.

Nesse sentido, faltou retratar bem no filme o grupo dos colecionad­ores, que mandam em museus e bienais, muitas vezes conseguind­o inserir artistas de sua coleção particular em exposições, visando em boa parte a valorizaçã­o financeira de seus bens.

É até fantasioso mesmo imaginar que um crítico de arte possa, hoje em dia, ter um depósito cheio de obras, como ocorre em “Velvet”. Pode já ter ocorrido, como foi o caso da célebre coleção de Clement Greenberg, mas este é um caso ímpar com uma história bastante controvers­a.

Por isso, a empáfia de Morf Vandewalt é um tanto deslocada. Críticos que agem com esse perfil ainda se veem em um contexto que já não existe e acabam apenas contribuin­do para levar a crítica ainda mais para o buraco.

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