Sátira ingênua patina ao afirmar que altos preços esvaziam obras
“Velvet Buzzshaw” é uma coleção de clichês sobre arte contemporânea. Sátira ingênua das altas esferas desse meio, tem caricaturas que fazem jus a seu esnobismo. Embora tenha momentos engraçados, é uma denúncia conservadora. Parece dizer que a arte perverteu seu “sentido original”
O pastelão mostra agentes da arte vitimados pelo fantasma de um pintor descoberto pelo mercado depois de morto e que os aterroriza por violar “regras invioláveis”, como diz o protagonista, o crítico de arte Morf Vandewalt, atestando a apropriação indevida.
Vandewalt é rico demais para a profissão e poderoso como talvez nenhum crítico da atualidade. Seus juízos, ainda que sem justificativa, podem arruinar ou levantar carreiras.
Ele se aproveita desse poder para obter vantagens. Sua crítica não olha os trabalhos com atenção. Diante deles, solta vitupérios e elogios sem justificativa, como um juiz de última instância. Seus critérios são ideais, não-históricos, como a busca pela “essência” e “o sentido da criação”. A partir daí, ele julga tudo, até o caixão de um velório. Pois, para o filme, a crítica é só uma das formas de valorizar a obra, sem problematização nem crise.
A melhor crítica, contudo, não trabalha dessa forma. O ofício não é lugar de afirmação dogmática de valores imutáveis. Nasce junto dos salões de arte, que possuíam projeção pública. Na imprensa, passa a se debater o sentido das obras e justificar os gostos.
Críticos relacionam o que veem com seu repertório cultural, o momento histórico, questões éticas. Quando bemsucedido, o texto captura a voltagem histórica da produção e os seus nexos com a realidade. Isso não leva ao consenso, mas ao debate. A melhor crítica é mais um lugar de controvérsia que de chancela.
O filme patina ao achar que esse sistema de demandas irrealizáveis e preços absurdos afasta a arte do seu sentido — expresso pela cena do artista a traçar de maneira desinteressada, padrões decorativos na areia da praia. Esse sentido não existe. Arte tem significados em disputa, transformados por artistas, instituições, mercado e pela crítica.