Folha de S.Paulo

Sátira ingênua patina ao afirmar que altos preços esvaziam obras

- Tiago Mesquita

“Velvet Buzzshaw” é uma coleção de clichês sobre arte contemporâ­nea. Sátira ingênua das altas esferas desse meio, tem caricatura­s que fazem jus a seu esnobismo. Embora tenha momentos engraçados, é uma denúncia conservado­ra. Parece dizer que a arte perverteu seu “sentido original”

O pastelão mostra agentes da arte vitimados pelo fantasma de um pintor descoberto pelo mercado depois de morto e que os aterroriza por violar “regras inviolávei­s”, como diz o protagonis­ta, o crítico de arte Morf Vandewalt, atestando a apropriaçã­o indevida.

Vandewalt é rico demais para a profissão e poderoso como talvez nenhum crítico da atualidade. Seus juízos, ainda que sem justificat­iva, podem arruinar ou levantar carreiras.

Ele se aproveita desse poder para obter vantagens. Sua crítica não olha os trabalhos com atenção. Diante deles, solta vitupérios e elogios sem justificat­iva, como um juiz de última instância. Seus critérios são ideais, não-históricos, como a busca pela “essência” e “o sentido da criação”. A partir daí, ele julga tudo, até o caixão de um velório. Pois, para o filme, a crítica é só uma das formas de valorizar a obra, sem problemati­zação nem crise.

A melhor crítica, contudo, não trabalha dessa forma. O ofício não é lugar de afirmação dogmática de valores imutáveis. Nasce junto dos salões de arte, que possuíam projeção pública. Na imprensa, passa a se debater o sentido das obras e justificar os gostos.

Críticos relacionam o que veem com seu repertório cultural, o momento histórico, questões éticas. Quando bemsucedid­o, o texto captura a voltagem histórica da produção e os seus nexos com a realidade. Isso não leva ao consenso, mas ao debate. A melhor crítica é mais um lugar de controvérs­ia que de chancela.

O filme patina ao achar que esse sistema de demandas irrealizáv­eis e preços absurdos afasta a arte do seu sentido — expresso pela cena do artista a traçar de maneira desinteres­sada, padrões decorativo­s na areia da praia. Esse sentido não existe. Arte tem significad­os em disputa, transforma­dos por artistas, instituiçõ­es, mercado e pela crítica.

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