Caso de laranja na eleição constrange sigla de Bolsonaro
Presidente não atende ligação de ministro que buscava dar explicações sobre reportagem da Folha
A revelação de que uma candidata inexpressiva recebeu a terceira maior verba de campanha do PSL causou constrangimento e discussões no partido e no governo Jair Bolsonaro. Um filho do presidente chamou o caso de “mais uma facada”.
A revelação de que uma inexpressiva candidata a deputada federal do PSL em Pernambuco recebeu a terceira maior fatia da verba pública de campanha do PSL causou constrangimento no partido e no governo, que abrigaram neste domingo (10) discussões internas sobre o caso.
Reportagem da Folha publicada neste domingo mostrou que Maria de Lourdes Paixão, 68, obteve apenas 274 votos apesar de ter recebido R$ 400 mil do fundo partidário do PSL quatro dias antes da eleição. Ela se tornou candidata por decisão do grupo político de Luciano Bivar, presidente nacional do PSL, partido de Jair Bolsonaro.
Nem a candidata nem a gráfica para a qual ela diz ter direcionado a maior parte do dinheiro souberam explicar detalhes da suposta campanha.
Bivar deu no domingo explicações sobre o episódio no grupo de WhatsApp que reúne os parlamentares da legenda. Foi defendido por dirigentes estaduais, mas, segundo relatos, a maioria dos congressistas (55 deputados federais e 4 senadores) se manteve calada.
Bastante ativos nas redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) e seus filhos não se manifestaram diretamente até o início da noite.
O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), porém, compartilhou post de um internauta dizendo ser preciso separar o PSL do presidente, que nada teria a ver com o fato. “É mais uma facada que ele leva.”
A Folha apurou que o ministro Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral da Presidência) tentou falar domingo por telefone com Bolsonaro, para explicar o caso, mas o presidente, que se recupera da cirurgia para a retirada da bolsa de colostomia, não o atendeu.
Bebbiano foi o responsável formal em liberar a verba para a candidata de Pernambuco, já que era presidente interino do PSL nacional na campanha. O cargo voltou depois a Bivar, fundador da sigla que abrigou Bolsonaro e seu grupo no primeiro semestre de 2018.
A reportagem encaminhou perguntas a Bebianno, que não quis se manifestar. À rádio CBN disse que nunca viu Maria de Lourdes. “A questão do partido não tem absolutamente nada errado, no que se refere à [direção] nacional, porque esse dinheiro liberado pelo Supremo poderia ser usado para fins eleitorais, para campanhas femininas. Agora o critério, se o dinheiro vai para Maria, aí é um critério definido pela estadual, e a estadual dizia exatamente para quem deveria ir o dinheiro.”
Na semana passada a Folha havia publicado que o atual ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, patrocinou um esquema de candidaturas de fachada em Minas que também receberam recursos volumosos do fundo eleitoral do PSL nacional e que não tiveram nem 2.000 votos, juntas. Parte do gasto que elas declararam foram para empresas com ligação com o gabinete de Álvaro Antônio na Câmara.
A Folha enviou perguntas a Bebianno nessa ocasião. Ele também não se manifestou.
Após essa revelação, o vicepresidente, general Hamilton Mourão, afirmou que esse caso deveria ser investigado.
Desde a campanha, com foco de Bolsonaro em discurso de ética e combate à corrupção, Bebianno não tem bom relacionamento com dois dos filhos do presidente, o deputado Eduardo e o vereador Carlos, o último espécie de mentor e coordenador do conteúdo das redes sociais do pai.
O líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO), defendeu Bivar e disse que, como dirigente da sigla em Goiás, considera a situação absolutamente normal. Bivar (R$ 1,8 milhão) e Waldir (R$ 420 mil), ambos eleitos, foram os que mais receberam dinheiro do PSL. A terceira foi justamente Maria de Lourdes, secretária administrativa do PSL de Pernambuco, terra de Bivar.
Apesar de ser uma das campeãs de verba pública do PSL, Lourdes teve uma votação que representa um indicativo de candidatura de fachada, em que há simulação de atos de campanha, mas não empenho efetivo na busca de votos.
Waldir comparou o caso de Lourdes às apostas de cavalo.
“Você já foi em jóquei? Já fez aposta, quando começou a Copa do Mundo, por exemplo? Bolão? Nem sempre aquilo que você aposta vai ser o primeiro lugar. Às vezes um grande time acaba sendo rebaixado, nós não temos bola de cristal. Ele apostou em mim e eu fui o líder de votos no país, proporcionalmente. Ele apostou em mim e deu certo, mas apostou na outra candidata e não deu.”
O deputado também disse não ver problema na transferência do dinheiro para Lourdes às vésperas da eleição.
Segundo ele, é possível a apenas um funcionário distribuir nove milhões de santinhos em um único dia.
A Folha tentou ouvir todas as parlamentares eleitas do PSL. Algumas só aceitaram falar sob condição do anonimato, outras não quiseram se manifestar. As que deram declarações públicas defenderam investigação, caso, afirmam, haja elementos para suspeita.
“Dr. Bebianno me ofereceu o fundo eleitoral, sem pedir nada em troca, e eu recusei. Defendo a extinção tanto do fundo eleitoral como do fundo partidário”, disse Janaina Paschoal (SP), a deputada estadual mais votada do país.
“É preciso tentar compreender se houve produção de material de dobrada [quando aparecem um candidato a deputado federal e outro a estadual, por exemplo], o que seria lícito, ou se houve a utilização das candidatas. O simples fato de as candidatas não terem sido eleitas não significa que sejam laranjas. Acho importante esclarecer melhor.”
“Se realmente tiver acontecido isso, acredito que tenha que ser investigado, seja de qual partido for”, disse a deputada Carla Zambelli (PSL-SP).
Paschoal e Zambelli não receberam verba do PSL para a campanha e defendem o fim do direcionamento de dinheiro público para os candidatos.
Parlamentares da oposição se manifestaram de forma crítica na internet redes sociais. “É o terceiro caso de laranjas usados pelo PSL. O primeiro foi Flávio Bolsonaro [caso do seu ex-motorista Fabrício Queiroz]. O segundo foi o ministro do Turismo. Agora Luciano Bivar. PSL, Partido Suco de Laranja”, escreveu o deputado Paulo Teixeira (PT-SP).
“Você já foi em jóquei? Já fez aposta, quando começou a Copa do Mundo, por exemplo? Bolão? Nem sempre aquilo que você aposta vai ser o primeiro lugar Delegado Waldir líder do PSL na Câmara ao justificar a transferência de R$ 400 mil do partido a uma candidata que teve 274 votos
Se realmente tiver acontecido isso, acredito que tenha que ser investigado, seja de qual partido for Carla Zambelli (PSL-SP) deputada federal
É o terceiro caso de laranjas usados pelo PSL. O primeiro foi Flávio Bolsonaro. O segundo foi o ministro do Turismo. Agora Luciano Bivar. PSL, Partido Suco de Laranja Paulo Teixeira (PT-SP) deputado federal
[A política] não é muito da mulher. Eu não sou psicólogo, não. Mas eu sei isso Luciano Bivar presidente nacional do PSL