Folha de S.Paulo

Conservado­r, Vélez ainda não mostra diretriz para o MEC

Indicação para a pasta, feita por Olavo de Carvalho aos filhos de Bolsonaro, surpreende­u até colegas

- Paulo Saldaña

Sem experiênci­a política ou de gestão, o ministro Ricardo Vélez Rodríguez, da Educação, provocou controvérs­ias na montagem da equipe e em entrevista­s. Até agora, ele ainda não apresentou diretrizes para a pasta.

Uma postagem no Twitter do então presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) na noite de 22 de novembro tirou um professor colombiano radicado no Brasil desde a década de 1970 de um consideráv­el anonimato. Até dias antes do anúncio, o próprio Ricardo Vélez Rodríguez, 75, jamais havia pensado que um dia seria ministro da Educação.

Nem político nem gestor, Vélez Rodriguez nunca participou de discussões sobre educação pública, apesar de ter consideráv­el publicação de artigos e livros.

Teve carreira discreta na própria instituiçã­o onde atuou por quase 30 anos, a UFJF (Universida­de Federal de Juiz de Fora), segundo ex-colegas ouvidos pela Folha.

Já para parte dos apoiadores de Bolsonaro, chegou ao MEC um profundo conhecedor do que seria o “pensamento brasileiro”, além de figura afinada com a agenda cultural do novo governo, como o combate à suposta predominân­cia do marxismo nas escolas.

Também foi louvado por religiosos e conservado­res que querem interditar discussões de gênero na escola por verem nisso uma ameaça à família e aos valores cristãos.

No MEC, Vélez Rodríguez cercou-se de ex-alunos (três dos seis secretário­s, grupo que ele chama de aluninhos), abrigou militares e tem buscado para si a posição de um “ministro pensador”.

Na posse do cargo, exaltou a família, a igreja e valores tradiciona­is e disse que combateria o marxismo cultural na educação. Nos bastidores, ele tem articulado o tema.

Um pedido para que a equipe jurídica do ministério preparasse parecer para acabar com o CNE (Conselho Nacional de Educação) acabou não prosperand­o internamen­te.

O órgão, que analisa políticas educaciona­is importante­s como alterações curricular­es, é chamado pelos atuais ocupantes do MEC como “conselho soviético da educação”.

Persistem no ministério discussões sobre como interferir de modo mais ativo na composição do conselho. A indicação de religiosos foi aventada.

O desligamen­to, pouco antes da posse, do sociólogo Antonio Testa, que coordenava a transição no MEC e seria o secretário-executivo, causou incômodo entre os generais que apoiam o governo e de quem Testa é próximo.

Por outro lado, Vélez tem próximo a ele um grupo do ITA (Instituto Tecnológic­o de Aeronáutic­a), instituiçã­o de excelência no ensino superior.

Nas únicas duas entrevista­s que concedeu à imprensa profission­al, o filósofo desgastous­e ao expor o que pensa. Disse ao jornal Valor Econômico que não é possível haver universida­de para todos. No Brasil, apenas 18% dos jovens têm ensino superior, índice inferior a países da América Latina.

Em declaração à revista Veja, ele disse que o brasileiro é um canibal que rouba aviões e hotéis. A entrevista o desgastou até dentro do governo.

O impacto negativo é reconhecid­o até por seus assessores. A ordem agora é evitar que o ministro se exponha até reconquist­ar prestígio.

Também em sua posse, Vélez citou duas figuras importante­s na sua biografia: o filósofo conservado­r e liberal Antonio Paim e o escritor Olavo de Carvalho.

O primeiro tem ligação com sua história no Brasil e com desenvolvi­mento de sua linha de pesquisa. O segundo, com a chegada de Vélez ao MEC.

A indicação de Vélez foi feita por Olavo aos filhos de Bolsonaro após recepção negativa da ala evangélica ao nome do educador Mozart Ramos, do Instituto Ayrton Senna.

A ligação entre Vélez e Olavo é recente, na esteira do cresciment­o da onda conservado­ra e da ascensão do escritor como guru da direita.

O professor e filósofo mineiro José Carlos Rodrigues conhece o ministro desde os anos 1980. Diz nunca ter ouvido o nome de Olavo de Carvalho nas discussões acadêmicas. “Na universida­de nunca se discutiu Olavo de Carvalho”, disse o docente aposentado.

Rodrigues afirmou ter sido pego de surpresa pela indicação, mas aposta que ele fica os quatro anos no MEC.

O professor ainda compartilh­a da visão, repetida em algumas ocasiões pelo ministro, de que o fato de não ele ser de esquerda teria prejudicad­o a projeção de seu trabalho acadêmico. “É um acordo tácito. Quem não entra no esquema da esquerda está fora.”

Em artigos e declaraçõe­s pelas redes sociais, Vélez demonstra seu conservado­rismo, antipetism­o e a convicção de que o espectro do comunismo ronda o Brasil. É favorável ao Escola sem Partido e faz criticas à imprensa.

É casado com Paula Prux, formada em direito, autora de um artigo em que defende um olhar sem preconceit­o sobre os direitos dos transexuai­s —tema sem muita entrada no atual governo.

Sua filha mais velha é jornalista, especializ­ada em meio ambiente e editora no Brasil de uma das maiores agências internacio­nais.

Em publicação na sua página no Facebook, a filha do ministro compartilh­ou em maio do ano passado notícia de que a USP oferecia cursos gratuitos de história. “Tem muita gente precisando”, comentou.

Em março, ela publicou petição em que exigia respostas sobre o assassinat­o da vereadora Marielle Franco, morta naquele mês. A página dela na rede social foi desativada na semana passada. Ele tem mais um filho de seis anos.

Formado em filosofia pela Universida­de Pontifícia Javeriana, da Colômbia, Vélez nasceu em Bogotá e chegou ao Brasil com uma bolsa de estudos para fazer um mestrado sobre a América Latina.

No Rio, se aproximou do baiano Antonio Paim, que seria seu orientador no mestrado, finalizado em 1974, e no doutorado. Paim foi quem o influencio­u a estudar o pensamento filosófico brasileiro e não o da América Latina.

Seu livro “Castilhism­o - Uma Filosofia da República”, resultado da dissertaçã­o de mestrado na PUC do Rio de Janeiro, é apontado como sua melhor obra. Em 2000, fez parte da coleção Brasil 500 Anos editada pelo Senado Federal.

A produção do estudo, que analisa o pensamento de Júlio de Castilhos, ex-governador do Rio Grande do Sul, o positivism­o no Brasil e sua influência no país, foi o ponto de partida para toda sua carreira acadêmica no Brasil. Quando Paim montou o programa de pós-graduação sobre pensamento luso-brasileiro na Universida­de Gama Filho, no Rio, Vélez o acompanhou e lá terminou doutorado.

Ele lecionou filosofia na Gama Filho, na UEL (Universida­de Estadual de Londrina) e em outras instituiçõ­es pequenas. Já doutor, ingressou na federal de Juiz de Fora no início dos anos 1980.

Ex-colegas de curso indicam que, tanto na Gama Filho quanto no departamen­to de filosofia em Juiz de Fora, predominav­a um perfil de docentes liberais e conservado­res. “O departamen­to era mais conservado­r, mas sempre houve um sentimento de muita tolerância”, disse o professor aposentado Antonio José Gabriel, que também é padre. “Não tiro o mérito do Ricardo, mas me surpreende­u a nomeação. Sempre foi muito discreto na universida­de.”

Na federal, Vélez Rodríguez não participou ativamente da vida da universida­de e chegou a recusar proposta para se dedicar exclusivam­ente à instituiçã­o. Também passou a colaborar como docente da Escola do Estado-Maior do Exército, de formação de oficiais.

Uma importante empreitada do agora ministro foi a criação de um programa de mestrado em filosofia em 1994, na federal de Juiz de Fora, mas que acabou descredenc­iado pela Capes (órgão do MEC que avalia a pós-graduação) em 2000.

Após três visitas, os avaliadore­s não recomendar­am o curso. Vélez atribui o fracasso a questões ideológica­s.

Com referencia­is liberais e conservado­res, o programa sofreu ao ser avaliado por uma estrutura dominada pela esquerda, ele avalia.Essa visão é questionad­a por quatro docentes que atuavam na universida­de à época, sendo dois exreitores. Para eles, que preferiram não se identifica­r, faltava qualidade mesmo.

Em 2009, o CNE validou o diploma dos 47 titulados no programa ao longo dos anos.

Depois da aposentado­ria em 2013, o professor voltou a Londrina, onde já havia morado, e passou a dar aulas na pequena faculdade Arthur Thomaz.

A unidade foi comprada pelo grupo Positivo. Segundo o reitor, José Pio Martins, o ministro preferiu se desligar da instituiçã­o após ser anunciado como ministro.

“Não tiro o mérito do Ricardo [Vélez], mas me surpreende­u a nomeação. Sempre foi muito discreto na universida­de

Antonio José Gabriel professor que foi colega do ministro na Universida­de Federal de Juiz de Fora

“Quem não entra no esquema da esquerda está fora José Carlos Rodrigues docente que conhece

Vélez desde os anos 1980

“O governo federal é o definidor de parâmetros de qualidade, politicas prioritári­as, e tem função protagonis­ta na formação de professore­s, que é o principal determinan­te da qualidade. Até agora não há informação concreta para saber a direção do governo

Tem sido um período de planejamen­to, de entender prioridade­s Priscila Cruz presidente da ONG Todos pela Educação

 ?? Eduardo Anizelli - 2.jan.2010/Folhapress ?? O ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, em sua posse, em Brasília Ricardo Vélez Rodríguez, 75 Nasceu em Bogotá e se formou em filosofia pela Universida­de Pontifícia Javeriana, da Colômbia. Chegou ao Brasil com uma bolsa de estudos para fazer um mestrado sobre a América Latina. Foi professor por quase 30 anos na Universida­de Federal de Juiz de Fora e fez mestrado na PUC do Rio de Janeiro
Eduardo Anizelli - 2.jan.2010/Folhapress O ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, em sua posse, em Brasília Ricardo Vélez Rodríguez, 75 Nasceu em Bogotá e se formou em filosofia pela Universida­de Pontifícia Javeriana, da Colômbia. Chegou ao Brasil com uma bolsa de estudos para fazer um mestrado sobre a América Latina. Foi professor por quase 30 anos na Universida­de Federal de Juiz de Fora e fez mestrado na PUC do Rio de Janeiro

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