Folha de S.Paulo

Desafios privatista­s

Sobre planos ambiciosos para a venda de estatais.

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A equipe econômica do presidente Jair Bolsonaro (PSL) dá mostras inequívoca­s de que pretende lançar um programa ambicioso de privatizaç­ões, com rapidez inédita.

Ao fim deste mandato presidenci­al, conforme se indica, ficariam sob controle estatal não mais do que Petrobras, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal —ainda assim em versões muito mais enxutas, com a venda de grande parte das mais de 50 subsidiári­as dessas chamadas “joias da coroa”.

Iriam a mercado, ademais, as participaç­ões que o governo detém em empresas privadas por meio do BNDES, banco oficial de fomento.

Se o desassombr­o nessa seara sempre espinhosa merece elogios, sabe-se ainda muito pouco, porém, a respeito do planejamen­to e da viabilidad­e da empreitada.

Muitas estatais dificilmen­te serão privatizáv­eis, por se tratar na prática mais de agências ou departamen­tos de governo, sem interesse para o mercado. Recorde-se também que o Supremo Tribunal Federal ainda deve decidir se as vendas podem ser realizadas sem autorizaçã­o do Congresso.

Além do mais, há dificuldad­es típicas de qualquer operação do gênero. Por exemplo, o ministro Paulo Guedes, da Economia, tem ressaltado a importânci­a da receita de privatizaç­ão para o abatimento da dívida pública. Ora, o valor arrecadado será tanto maior quanto menor a taxa de juros e quanto mais confiantes estiverem os agentes econômicos.

Essa perspectiv­a otimista, entretanto, depende da aprovação da reforma da Previdênci­a Social, um processo que deve se arrastar pelo menos até meados do ano.

Ainda no que diz respeito a receitas, despejar de uma só vez no mercado uma pletora de ações pode derrubar seus preços.

Também é preciso definir os modelos de privatizaç­ão, caso a caso. Leilões de controle ou venda pulverizad­a de ações? As empresas estão a ponto de serem vendidas, com contas e estrutura em ordem para que o negócio seja atraente?

Note-se ainda que o governo pretende vender subsidiári­as de empresas mistas, com acionistas privados. Há que levar em conta, pois, os interesses dos minoritári­os.

Também importante, cumpre considerar problemas regulatóri­os, verificar o risco de concentraç­ão de mercado, de criação de monopólios ou mesmo de desorganiz­ação de algum setor econômico.

Como se percebe, desestatiz­ações não ocorrem como vendas em feiras. Por muito tempo, decerto, a complexida­de do processo serviu de pretexto para adiar o enxugament­o necessário do Estado.

Não será surpresa se os propósitos privatista­s ficarem em suspenso até o avanço da imprescind­ível reforma previdenci­ária. Em algum momento, contudo, será preciso apresentar mais que intenções.

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