Folha de S.Paulo

Bolsa se aproxima de 100 mil pontos, mas abaixo do pico

Projeção de analistas leva em consideraç­ão que atual nível conta apenas com investimen­to local

- Tássia Kastner e Anaïs Fernandes

A Bolsa brasileira caminha para os 100 mil pontos envolta no otimismo do investidor local com a guinada liberal na política econômica do país e a expectativ­a de uma reforma da Previdênci­a capaz de garantir cresciment­o sustentado do PIB (Produto Interno Bruto) pelos próximos três a cinco anos.

Já o investidor estrangeir­o, que sempre teve papel importante para alavancar o mercado acionário, oscila entre a reticência com o ambiente político no Brasil e um cenário externo de maior aversão ao risco.

Na prática, é ele que poderá ser o motor para conduzir o Ibovespa, índice das ações mais negociadas por aqui, a novas mudanças de patamar —a marca dos 100 mil pontos deve vir mesmo sem o fluxo de capital externo.

Na segunda-feira (4), o Ibovespa renovou máxima histórica ao fechar a 98.588 pontos, após subir 11% só em janeiro.

A escalada foi interrompi­da nos dias seguintes por adversidad­es no exterior, certo bate-cabeça do governo brasileiro em relação à Previdênci­a e pelo adiamento da alta do presidente Jair Bolsonaro —de quem depende a palavra final sobre o projeto da reforma—, que segue internado em São Paulo para se recuperar de cirurgia.

Apesar do freio, profission­ais do mercado afirmam que não houve mudança de viés para a Bolsa.

“O número 100 mil em si não quer dizer muita coisa, o que importa é a tendência, que continua positiva. Enquanto o governo fizer esse esforço para melhorar a situação fiscal, a tendência vai ser de alta e até acima disso”, afirma Vicente Matheus Zuffo, gestor de fundos da SRM.

“Se não vier um vento ruim do exterior, essa marca pode chegar realmente rápido”, diz.

Apesar da expectativ­a eufórica de parte do mercado, começam a surgir as primeiras indicações de que algumas ações já estejam caras.

Além disso, há a memória de que o mercado levou quase 12 anos para dobrar de tamanho em relação aos 50 mil pontos atingidos em 2007. Enquanto isso, o CDI, taxa referência para investimen­tos na renda fixa, acumulou ganho de mais de 220% nesse período.

Corrigido pela inflação, porém, o Ibovespa ainda está ligeiramen­te distante do pico de 2008: teria de ultrapassa­r, hoje, os 135 mil pontos.

A jornada rumo aos 100 mil pontos começou em 2016, reflexo do impeachmen­t de Dilma Rousseff (PT) e da posse do então vice-presidente Michel Temer (MDB).

“A Bolsa brasileira ficou muito para trás de qualquer investimen­to de renda fixa e Bolsas internacio­nais entre 2013 e 2016. De lá para cá, vem uma recuperaçã­o exuberante, muito pautada por uma mudança robusta na condução da política econômica”, diz Evandro Buccini, economista da Rio Bravo Investimen­tos.

O período de piora casa com a recessão da economia brasileira e a forte intervençã­o do governo no mercado, diz.

“Houve destruição da lucrativid­ade das empresas. Elas fizeram a lição de casa no que podiam, demitindo pessoas e cortando custos, e estão mais eficientes do que eram lá atrás”, afirma.

“As empresas que se adequaram à realidade mais complicada sobreviver­am, temos as melhores”, diz Fabio Okumura, da gestora Gauss Capital.

A crise econômica deixou o PIB brasileiro negativo por 11 trimestres e tirou 8,2% da economia. Nesse processo, as empresas lucraram menos e reduziram expectativ­as de melhoria nos negócios.

Quando um investidor compra ações em Bolsa ele espera que a companhia apresente cresciment­o nos períodos seguintes (trimestres ou anos).

Em uma conta simples, o potencial de ganho acima da variação do PIB dependerá de quanto mais seu negócio poderá avançar no mercado — consideran­do que o PIB avance de forma constante.

“O cresciment­o expressivo de lucro das empresas justifica parte desse caminho [de alta da Bolsa]. Daqui em diante, o que vai haver é uma revisão de cresciment­o dos lucros por um período composto de anos”, diz Karel Luketic, analista-chefe da XP Investimen­tos.

A corretora tem dito em relatórios que algumas empresas do Ibovespa, como as ligadas ao consumo doméstico e ao setor bancário, podem estar chegando a um patamar em que dificilmen­te entregaria­m ganhos maiores que os já embutidos no valor das ações. Ou seja, estariam começando a ser considerad­as caras.

A medida é a relação preço/ lucro. No atual patamar, o Ibovespa negocia 12,5 vezes lucro das empresas, ante média histórica 12,3 vezes, diz Luketic.

“A visibilida­de [para o futuro] melhora e o mercado começa a ficar mais caro.”

Enxergar a Bolsa cara ou barata depende também do otimismo com a aprovação da reforma da Previdênci­a, justamente pela visão de que ela pode abrir caminho para um cresciment­o sustentado do país.

O presidente do Itaú Unibanco, maior banco privado do país, Candido Bracher, estima que uma probabilid­ade de 70% a 75% de aprovação da reforma já está embutida no atual valor do Ibovespa.

“Eu acho que o que subirá com a aprovação da reforma será bastante, mas menos do que cairá se o mercado se convencer de que a reforma não virá”, disse a jornalista­s.

Apesar do episódio conhecido como Joesley Day —o dia 18 de maio de 2017, quando o mercado financeiro despencou após a divulgação de gravação do executivo da JBS Joesley Batista com Temer—, investidor­es locais parecem não trabalhar com a possibilid­ade de a reforma não passar.

O governo Temer estava, até então, comprometi­do com a medida, mas acabou usando seu capital político para barrar denúncias de corrupção contra o presidente no Congresso, sepultando o projeto e encerrando precocemen­te uma agenda de reformas que não era inteiramen­te compartilh­ada pela ala petista da chapa à época da eleição de 2014.

Agora, a leitura que se faz é que o governo Bolsonaro já foi eleito com a bandeira das reformas e, por isso, terá respaldo para aprová-las, ainda que sejam impopulare­s.

Se não há no mercado muita dúvida sobre a aprovação de mudanças na Previdênci­a, permanecem questionam­entos sobre a velocidade das discussões no Congresso. Há, por enquanto, um processo de ajuste de expectativ­as.

Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, projeta dois meses de discussões na Casa, o que começa a adiar para o segundo semestre a decisão final.

Possíveis oscilações bruscas da Bolsa no primeiro semestre estarão relacionad­as não apenas à demora na tramitação do texto, mas aos motivos que eventualme­nte atrasem a aprovação.

“Acho que será aprovada até 2019, mas passar até meados desse ano é muito difícil. E as reações do mercado serão distintas se forem sequências de derrotas ou atraso regimental”, diz Buccini, da Rio Bravo.

Enquanto a incerteza paira, o estrangeir­o demora a voltar ao Brasil. Nos últimos meses de 2018, enquanto a Bolsa galgava máximas, recursos de fora eram resgatados pelo pânico de uma desacelera­ção da economia global.

O banco central americano (Federal Reserve) se mostrou, em janeiro, sensível a uma possível crise e sinalizou uma pausa no aumento da taxa de juros do país. Em tese, o movimento faria sobrar recursos para emergentes, mas o dinheiro entra de forma tímida.

Okumura, da Gauss Capital, vê também algum receio político dos estrangeir­os com o novo governo. Eles estariam comparando a gestão de Bolsonaro a regimes como o de Recep Erdogan, da Turquia, eleito com uma pauta liberal, mas que passou por uma guinada intervenci­onista.

Buccini minimiza. Para ele, os estrangeir­os mais sofisticad­os conhecem os riscos e acompanham de perto a política de emergentes, descartand­o esse tipo de temor.

O pequeno investidor, enquanto isso, se aproxima da fatia de 20% de participaç­ão na Bolsa, volume considerad­o tímido. “Somos um país de 210 milhões de habitantes, não dá para ter 800 mil pessoas em Bolsa”, diz Felipe Miranda, economista-chefe da Empiricus.

Mas isso não quer dizer que o brasileiro esteja completame­nte de fora desse mercado. Se o Ibovespa subiu com as compras de ações de investidor­es locais, isso significa que fundos multimerca­do e de ações, principalm­ente, se posicionar­am. E são eles que têm garantido ao pequeno investidor seu quinhão.

“As pessoas estão percebendo que, com essa taxa de juros baixa, precisam sair da zona de conforto e procurar outros investimen­tos. Isso, associado à atuação arrojada das corretoras, especialme­nte no mundo digital, leva a um aumento na participaç­ão desse investidor”, diz Felipe Paiva, diretor de relacionam­ento com Clientes Brasil da B3.

“Acho que [a reforma da Previdênci­a] será aprovada até 2019, mas passar até meados desse ano é muito difícil. E as reações do mercado serão distintas se forem sequências de derrotas ou atraso regimental” Evandro Buccini economista da Rio Bravo Investimen­tos

“O número 100 mil em si não quer dizer muita coisa, o que importa é a tendência, que continua positiva. Enquanto o governo fizer esse esforço de melhorar a situação fiscal, a tendência vai ser de alta e até acima disso Vicente Matheus Zuffo gestor de fundos da SRM

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