Folha de S.Paulo

Conhecer para ser: saber jurídico na educação básica

Jovens precisam compreende­r direitos e deveres

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Guilherme Guimarães Feliciano, Luiz Cláudio Costa e Sebastião Feliciano Presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrado­s da Justiça do Trabalho) e juiz do Trabalho Presidente do grupo Record TV e advogado Supervisor de ensino aposentado do Estado de São Paulo e bacharel em direito

Sob os auspícios de um novo governo eleito, surge o melhor ensejo para que um tema fundamenta­l volte à baila: o ensino básico nas escolas públicas e privadas do país. No ensino médio, em particular, os desafios são imensos. Em 2017, somente 59,2% dos jovens com até 19 anos haviam concluído essa etapa da educação básica. É preciso universali­zá-lo.

Algo existe, porém, que não chegou ao radar dos educadores e próceres das reformas: o universo dos direitos e deveres.

Os atuais currículos escolares deveriam entregar à sociedade, quando bem executados, cidadãos que leem e escrevem, interpreta­m textos, fazem cálculos de pouca complexida­de, conhecem sua história e geografia e dominam seus símbolos pátrios, como os hinos oficiais. A par do civismo, porém, desconhece­m a sua cidadania.

Com efeito, quais são os seus direitos fundamenta­is? Sabem que podem perambular, exprimir-se, professar (ou não) uma fé, organizar-se, informar-se e manifestar-se?

Sabem quais são as garantias constituci­onais que, para a tutela desses direitos, estão a seu alcance? Sabem da garantia fundamenta­l de pleno acesso ao Judiciário, em caso de lesão ou ameaça de lesão a direitos ou interesses?

Compreende­m quantos e quais são seus direitos sociais fundamenta­is? Entendem quais direitos o constituin­te originário reservou a quem trabalha, com subordinaç­ão ou mesmo sem ela? Sabem da possibilid­ade de defenderem pessoalmen­te o patrimônio público e outros interesses coletivos e difusos? Sabem a que autoridade­s recorrer, e como fazê-lo, diante de contextos de opressão, constrangi­mento ou ilegalidad­e que tenham origem nas ações e omissões de outros cidadãos ou do próprio poder público?

De outro turno, esses milhões de cidadãos que as escolas privadas e públicas devolvem à sociedade, todos os anos, conhecem os âmbitos de seus deveres?

Entendem a diferença entre um ilícito civil, uma infração administra­tiva, um ato de improbidad­e e um crime ou contravenç­ão penal? Conseguem reconhecer deveres e obrigações oriundos de fontes legítimas —como, por exemplo, leis e contratos— daquelas “obrigações” que se desenham a partir de fontes espúrias, como a opressão das maiorias, o desvio de autoridade ou o crime organizado?

O fato é que, em geral, o cidadão comum ignora boa parte desses elementos. Vamos além: boa parte dos concidadão­s ou não sabe ou finge desconhece­r quais os limites dos seus direitos e deveres. “Direito” e “dever” surge, então, como resultado do grito mais alto ou da mais perfeita “malandrage­m”. Convém agir prontament­e para reverter curva tão mortal para a vida em sociedade. Repensar o modelo curricular, de forma que o jovem conheça o mundo em que vive do ponto de vista jurídico. Uma cadeira dedicada a “Noções de Direito e Cidadania”, ministrada durante o ensino médio, bem serviria a esse propósito.

Sigmund Freud (1856-1939) associava, em seus estudos psicanalít­icos, o conhecimen­to ao poder. A potência que não se conhece tende a ser inútil, se não realizada, ou nociva, quando realizada. Eis o que falta ao cidadão: conhecer para se empoderar. Se o Brasil não fomentar uma enraizada cultura de cidadania, restar-lhe-á clamar por mais Estado.

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