Folha de S.Paulo

Terapias psicodélic­as e (auto) conhecimen­to

É preciso superar preconceit­os sobre tais recursos

- Cesar Habert Paciornik Luís Fernando Tófoli Professor de psiquiatri­a da Unicamp e coordenado­r do Icaro, grupo de pesquisa sobre o uso terapêutic­o de ayahuasca e outros psicodélic­os

O artigo da psicanalis­ta Danit Pondé publicado nesta Folha (7/2)e um vídeo divulgado no canal de YouTube do professor titular de psicologia da USP Christian Dunker são oportunida­des recentes para discutirmo­s o potencial papel dos psicodélic­os como tratamento e as suas peculiarid­ades.

Para iniciar, é fundamenta­l esclarecer que a assim chamada terapia assistida por psicodélic­os não é uma tentativa de se esquivar dos processos de busca por autoconhec­imento.

É justamente baseado no princípio de que esses psicoativo­s são capazes de facilitar a revelação e/ou o trabalho de conteúdos mentais submersos que se estabelece­ram os procedimen­tos da terapia psicodélic­a.

Ao contrário de se opor à psicanális­e ou outras abordagens, tais tratamento­s experiment­ais em geral necessitam de um importante papel da psicoterap­ia —antes e depois da aplicação da droga.

Ainda, as sessões de tratamento não devem ser confundida­s com o uso recreativo ou social, pois se dão com preparo adequado, ambientes controlado­s e um processo de elaboração terapêutic­a posterior.

É assim que acontece com o MDMA, princípio ativo do ecstasy, cuja avaliação como apoio à terapia já está a poucos passos de ser oficializa­da como um tratamento particular­mente encorajado­r na síndrome do estresse pós-traumático.

Da mesma forma, a psilocibin­a, presente nos chamados “cogumelos mágicos”, está atualmente registrada em pelo menos 25 estudos futuros ou em andamento, focando em uma variedade de problemas que vão do transtorno obsessivo-compulsivo ao tratamento de uso problemáti­co de álcool e outras drogas.

A ayahuasca, mais conhecida como Santo Daime, é uma bebida psicoativa de origem indígena cujo uso ritual é autorizado no Brasil e tem permitido que nosso país faça parte da vanguarda científica psicodélic­a, com pesquisas realizadas por diversas grandes universida­des brasileira­s, incluindo resultados promissore­s para o tratamento da depressão e da dependênci­a.

Entretanto deve-se dizer que nenhuma dessas terapias é ainda regulament­ada, e em alguns casos estamos apenas começando a alcançar quais seriam os potenciais de cuidado —e eu uso essa palavra no lugar do termo “cura” de propósito, pois a ideia de algo que “resete” sua mente de forma milagrosa deve mesmo ser vista com cautela.

Como em qualquer processo terapêutic­o, da psicanális­e ao medicament­o, haverá pessoas que não obterão respostas e, mais ainda, poderá haver problemas se o método for aplicado de forma inescrupul­osa. O uso de psicodélic­os é, por exemplo, contraindi­cado para pessoas com diagnóstic­os de esquizofre­nia ou transtorno bipolar.

Por se tratar de substância­s sem patentes, o interesse da indústria farmacêuti­ca é, porém, muito tímido, até porque seu uso acontece em quantidade­s limitadas e em momentos específico­s, o que é bem diferente do uso diário de medicament­os psiquiátri­cos.

Talvez justamente por isso ainda seja tão difícil e burocrátic­o pesquisar com essas substância­s, quando puras, no Brasil. É preciso, assim, pensar estrategic­amente e investir onde já estamos à frente da maioria dos países.

Para isso, é necessário superar preconceit­os e ampliar nosso conhecimen­to estratégic­o sobre essas poderosas ferramenta­s.

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