Folha de S.Paulo

Pauta conservado­ra em segundo plano deixa inquieta base aliada de Bolsonaro

Análise e aprovação da reforma da Previdênci­a são prioridade­s do governo neste ano no Congresso

- Anna Virginia Balloussie­r e Angela Boldrini

Que a reforma da Previdênci­a é o filho preferido do governo Jair Bolsonaro todo mundo já entendeu. Mas relegar a segundo plano as pautas de costumes no Congresso, quadro já sinalizado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEMRJ), é algo que parlamenta­res eleitos a reboque de uma plataforma conservado­ra não pretendem aceitar calados.

Afilhado político do pastor Silas Malafaia e com planos de disputar a presidênci­a da bancada evangélica, o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) afirma que pôr na fila de espera projetos “prófamília” seria uma estratégia equivocada que poderia inclusive prejudicar, por tabela, a reforma previdenci­ária.

Para Sóstenes, “votações um pouco menos sérias do que é a Previdênci­a” poderiam servir de termômetro para a nova administra­ção testar com quantos congressis­tas de sua base ela pode de fato contar.

“Ninguém coloca pra testar em votação o assunto principal do governo. Com certeza a Câmara tratará anteriorme­nte de alguns temas polêmicos, acho que ligados a costumes, até pra testar a real força do governo. É simples”, afirma.

Nos bastidores, há receio de passar um cheque em branco: apoia-se a reforma prioritári­a para o governo sem garantia de que, lá para frente, a fatura será paga com o endosso a projetos de lei polêmicos, vide o Escola Sem Partido, que foi arquivado por uma comis- são da Câmara em dezembro e reapresent­ado pela deputada caloura Bia Kicis (PSL-DF).

Maia tem afirmado que priorizará o debate previdenci­ário sobre outros temas na Casa. À Folha ele disse que, se “estressar o plenário” antes de votar a pauta econômica, o ambiente para que ela seja aprovada ficaria precário.

Próximo a Maia, o ministro Gustavo Bebiano (Secretaria­Geral) também já deu declaraçõe­s indicando que é melhor deixar os costumes de lado e focar no enredo econômico.

O argumento está em círculos conservado­res de Brasília: vai que eles avalizam uma reforma com pouco apelo popular, como é a da Previdênci­a, e depois não conseguem maioria para as pautas de costumes que lhe são caras?

Até porque a popularida­de de um Planalto novo, na chamada “lua de mel” do começo de mandato, com um eleitorado ainda otimista com seu presidente e uma base parlamenta­r menos afeita a rebeldias, viria a calhar na hora de aprovar pautas como o Estatuto da Família, que entende como núcleo familiar a união entre homem e mulher e já está pronto para ir a plenário.

Coordenado­r da Frente Parlamenta­r em Defesa da Vida e da Família, Alan Rick (DEMAC) diz que é natural Maia buscar a agenda de reformas e a conciliaçã­o com a oposição —afinal, foi reconduzid­o ao comando da Câmara com votos do PDT de Ciro Gomes e do PCdoB de Manuela D’Ávila. Mas que ele não se esqueça que “foi eleito majoritari­amente com os votos dos conservado­res”, afirma Rick.

“Isso não pode ser uma queda de braço nem um cabo de guerra, até porque nós queremos o Rodrigo como nosso aliado”, diz. “É possível conciliar, até porque numa sessão do Congresso dá para votar muitas coisas, você não vai ficar num debate monotemáti­co.”

Para o deputado Marco Feliciano (Podemos-SP), é compreensí­vel que Maia e Bebianno queiram jogar as pautas dos costumes para um segundo momento. “Talvez qualquer um de nós, no lugar deles, tomássemos essa decisão.”

Mas são 513 deputados, “todos têm o mesmo peso no voto, e muitos não aceitam essa discrimina­ção em relação à pauta dos costumes”, afirma.

Feliciano cita um projeto de lei seu que batizou de Papai do Céu na Escola. O texto “prevê o ensino religioso sem citar nenhuma religião, apenas ensinar que temos um Criador bom, justo e que tudo vê”.

O deputado, que é também pastor, diz que não poupará esforços para que ele “entre na pauta antes da Previdênci­a”.

Nem todos os deputados apegados a causas conservado­ras concordam com essa pressa dos colegas. Joice Hasselmann (PSL-SP), autproclam­ada “Bolsonaro de saias”, e Bia Kicis, que protocolou novo projeto do Escola Sem Partido na abertura do ano legislativ­o, estão no time dos que dizem compreende­r que a temática econômica deve, sim, assumir o protagonis­mo.

“Uma vez aprovada a reforma, o governo aprova o que quiser. Todo mundo concorda que do jeito que está não dá. Não são [reformas] populares, mas necessária­s”, diz Kicis.

Para ela, há outras formas de testar a base de apoio do governo. Colega na Câmara e filho do presidente, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) disse na sexta (8) que pôr sob escrutínio parlamenta­r projetos de segurança podem servir como “termômetro do plenário” antes da reforma menina dos olhos do governo Bolsonaro.

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Cris Faga - 2.dez.18/Folhapress Protesto contra a liberação do aborto na avenida Paulista, em SP

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