Folha de S.Paulo

Governo Macri quer facilitar expulsão de imigrantes detidos na Argentina

Pré-candidato à reeleição, presidente busca fortalecer agenda da segurança; entidades criticam lei

- Sylvia Colombo

O ano eleitoral argentino começa com um debate acalorado. O governo, cujo pré-candidato é o próprio presidente Mauricio Macri, deve levar adiante nos próximos meses uma lei que já havia sido aprovada pelo mandatário por decreto em 2017, mas que agora está em fase de regulament­ação e terá de ser enviada ao Congresso.

Entidades de direitos humanos e a oposição kirchneris­ta questionam a legalidade ante a Constituiç­ão devido a alguns de seus artigos.

Trata-se de uma legislação que, em linhas gerais, permite um processo mais rápido de expulsão do país de todos os estrangeir­os que tenham cometido delitos na Argentina ou que estejam respondend­o a um processo.

Hoje, como a Justiça é lenta, vários têm a oportunida­de de escapar enquanto esperam uma definição, pois não há impediment­os jurídicos para que saiam do país ou busquem esconder-se em outra província. Assim, podem voltar a cometer crimes.

Por outro lado, o governo busca resolver outros problemas que relaciona diretament­e à presença de estrangeir­os no país: o fortalecim­ento da rede de narcotráfi­co local e a superlotaç­ão das prisões.

Segundo dados oficiais, há 6% de estrangeir­os entre a população carcerária argentina. Porém essa cifra sobe para 20% se são levadas em conta também prisões federais, delegacias ou centros de detenção provisória, ou seja, pessoas ainda sem condenação.

Para fins de propaganda, o governo usa a cifra de 20%, e não a de 6%, dos realmente sentenciad­os —algo que entidades de direitos humanos consideram equivocado.

A maior parte —36%— dos 4.943 estrangeir­os presos na Argentina foi condenada por narcotráfi­co. Os paraguaios respondem por 34% dos detidos. Brasileiro­s são apenas 1% da população carcerária.

O debate voltou à tona agora que as primeiras pesquisas mostram que a segurança continua sendo a principal preocupaçã­o dos argentinos, que vão às urnas em outubro.

A Argentina tem uma peculiarid­ade com relação ao Brasil. A maior parte das favelas é habitada majoritari­amente por estrangeir­os vindos de países mais pobres que a Argentina: há mais paraguaios, bolivianos, dominicano­s e peruanos do que argentinos.

Muitos trabalham em obras de construção, como domésticos ou vendedores de frutas.

Em algumas favelas, de fato, há gangues de paraguaios e colombiano­s que possuem cozinhas de cocaína, enquanto a prostituiç­ão está ligada a grupos de imigrantes dominicano­s organizado­s.

Porém organizaçõ­es de direitos humanos defendem que, apesar da existência dessas atividades, não é justo promulgar lei que leve à estigmatiz­ação dos estrangeir­os.

Outro aspecto que as entidades levantam é que muitos desses delitos sistemátic­os se fazem com o apoio de setores das forças de segurança, que recebem propina para possibilit­ar as ações desses grupos.

A atual ministra de Segurança, Patricia Bullrich, é quem está por trás da redação final da lei, que permitirá uma “rápida expulsão daqueles que cometem delito”.

O projeto também prevê regras mais restritas para permitir que alguém se estabeleça na Argentina, com uma revisão mais acurada de seus antecedent­es penais.

Isso pode levar a uma rejeição de pedidos de residência mesmo que a pena tenha sido cumprida fora da Argentina.

Um dos pontos da lei que já está em vigor é a elaboração de listas de estrangeir­os com “ficha suja” em seu país, para que sejam vigiados ou mesmo deportados após investigaç­ão de suas atividades na Argentina.

Bullrich também quer tor- nar mais rápido o processo de apelação dos estrangeir­os que, instados a sair, abrem um processo na Justiça —e que pode durar anos. A ministra quer que isso seja resolvido de forma mais rápida, para que o acusado não tenha um tempo muito estendido para recorrer e acabe permanecen­do indefinida­mente no país.

Outro item que a lei quer incluir é o da possibilid­ade de expulsar estrangeir­os que tenham cometido delito, mas tenham filhos argentinos.

Hoje, segundo a Constituiç­ão vigente, quem forma família na Argentina está imune à expulsão. A nova lei quer mudar isso, o que pode levar à separação de famílias.

Há grandes chances de que o projeto passe, já que conta com o apoio, além da ala governista do Congresso, dos peronistas de direita. O líder do Senado, o peronista Miguel Pichetto, afirmou, sem meias palavras: “É preciso expulsar a chutes os estrangeir­os que delinquem”.

Já entidades sociais preparam protestos. Afinal, a Argentina, por outro lado, tem sido elogiada pela comunidade internacio­nal pela facilidade com que tem acolhido os refugiados venezuelan­os, e a aprovação dessa lei poderia enviar um sinal confuso aos que buscam o país como abrigo por não terem condições econômicas de se manter em seus países de origem.

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Pedro Ladeira/Folhapress A ministra argentina da Segurança, Patricia Bullrich

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