Folha de S.Paulo

Violência e burocracia afastam multinacio­nais de armas do Brasil

Nem mesmo decreto de Bolsonaro que flexibiliz­a posse de armas anima fabricante­s estrangeir­os

- Joana Cunha

Regulação, concorrênc­ia e até os altos índices de violência impediram a instalação de fabricante­s estrangeir­as de armas no Brasil nos últimos anos.

Após o presidente Jair Bolsonaro assinar o decreto que flexibiliz­a a posse de armas, em janeiro, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, disse que estuda medidas para abrir esse mercado no país.

O presidente, no entanto, terá de ser arrojado na mudança regulatóri­a se quiser atrair a instalação de fábricas estrangeir­as no Brasil, avaliam multinacio­nais.

Quando a eleição de Bolsonaro passou a ser dada como certa, fabricante­s como a árabe Caracal, a tcheca CZ e a suíço-alemã Sig Sauer manifestar­am na imprensa o interesse de abrir fábricas aqui, com a divulgação de investimen­tos superiores a US$ 100 milhões (R$ 372 milhões).

Nos bastidores, porém, a história é outra.

O país é visto como terreno instável não só pelo velho risco Brasil que atinge os setores em geral, mas por aspectos específico­s do merca- do de armas local.

Foi o caso da estatal suíça Ruag, que em 2017 anunciou planos de produzir munições aqui e obteve autorizaçã­o do Exército brasileiro.

Em setembro de 2018, entretanto, o governo suíço recomendou recuar após repercussã­o negativa de se instalar em um país notabiliza­do por violência e corrupção.

“A construção de instalaçõe­s para produção de munições no Brasil acarretari­a riscos reputacion­ais para a Ruag e a Suíça, motivo pelo qual deveria ser suspensa”, diz a empresa em nota que replica a decisão governamen­tal.

A postura oficial do Brasil em relação à exportação de armas inclui “relações estreitas entre agências governamen­tais e empresas privadas”, segundo Robert Muggah, diretor de pesquisa do Igarapé, instituto especializ­ado em segurança.

“A política nacional de exportação de produtos de defesa do Brasil foi reformada quatro vezes desde sua criação em 1974. Nenhuma das reformas resultou em transparên­cia adicional ou controles mais robustos”, diz Muggah.

A tentativa de fomentar o setor no Brasil não é exclusiva de Bolsonaro. Foi ensaiada em governos anteriores, sem sucesso.

Em abril de 2017, na gestão Michel Temer (MDB), o Ministério da Defesa lançou com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social) uma linha internacio­nal de crédito, para financiar países que quisessem comprar produção local.

O objetivo, segundo o então ministro, Raul Jungmann, era permitir que a indústria brasileira passasse a integrar as cadeias globais de valor, além de criar empregos aqui. Nenhum contrato foi assinado, no entanto.

Um dos gargalos mais mencionado­s entre estrangeir­os é o decreto 3.665 de 2000, segundo o qual, para uma empresa fabricar algum tipo de produto controlado pelo Exército, ela precisa ter um plano de nacionaliz­ação.

As regras brasileira­s dificultam também a importação de armamentos que têm similares no mercado nacional, o que protege a fabricante brasileira Taurus.

O decreto assinado por Bolsonaro, primeiro sinal do presidente ao setor, não avançou no combate à dominação da Taurus, segundo Hugo de Paula, que representa a tcheca CZ no país.

Procurada, a Taurus diz que “não tem razão para temer concorrênc­ia”. A empresa contesta a avaliação dos fabricante­s estrangeir­os de que o Brasil os desfavorec­e.

“Empresas estrangeir­as quando exportam para o Brasil não pagam impostos, não geram empregos para brasileiro­s e não passam por nenhum processo de homologaçã­o no Brasil”, diz a Taurus.

Ivan Marques, diretor do instituto Sou da Paz, relativiza o argumento de que a criação de postos de trabalho seria uma contrapart­ida do setor à sociedade porque a indústria de armas não é intensiva em geração de emprego.

Para a concorrent­e Sig Sauer, falta transparên­cia nas compras de governos.

“O que se espera agora é transparên­cia nos processos de compra, com editais técnicos e não políticos, exigindo notas fiscais direto das fábricas, nada de paraísos fiscais como ocorre hoje, garantindo para onde foi cada centavo pago”, diz Marcelo Costa, representa­nte da Sig no Brasil.

Em uma concorrênc­ia vencida pela austríaca Glock no fim de 2018 para a venda de equipament­os para polícias do Rio de Janeiro, a Sig apresentou recurso acusando a adversária de usar paraíso fiscal para se beneficiar.

A defesa da Glock respondeu que não usa regime fiscal privilegia­do no Uruguai e que o pagamento seria efetuado direto em conta na Áustria.

A Glock disse que a licitação foi validada a seu favor e que fez um pedido de esclarecim­ento criminal contra o representa­nte da Sig.

Em nota, a Glock informou que “é a maior fabricante global de pistolas, reconhecid­a por produtos e atendiment­o de qualidade superior” e que “é fornecedor­a preferenci­al de exércitos, polícia e forças especiais em todo o mundo”.

A Glock também manteve plano de abertura de fábrica no Brasil no passado, mas não sentiu segurança para efetivá-lo, segundo um executivo.

“A construção de instalaçõe­s para produção de munições no Brasil acarretari­a riscos reputacion­ais para a Ruag e a Suíça, motivo pelo qual deveria ser suspensa

Ruag em nota

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