Folha de S.Paulo

Startups começam a rejeitar modelo de cresciment­o acelerado

- Erin Griffith The New York Times, traduzido do inglês por Paulo Migliacci

Era uma manhã de domingo em Nova York, alguns meses atrás, e um grupo de 50 fundadores de startups estava reunido num bar. Um a um, expressara­m suas críticas a algo de quase sagrado no setor de tecnologia: o venture capital (capital de risco, aplicado em empresas novatas que querem crescer).

Josh Haas, fundador da Bubble, uma startup de desenvolvi­mento de software, disse que ele e o pessoal de venture capital estavam “em frequência totalmente diferentes quase o tempo todo” quanto à trajetória de seu negócio.

O evento havia sido organizado por Frank Denbow, 33, fundador da startup de camisetas Inka.io, para reunir empresário­s que começaram a questionar a superestru­tura de investimen­to que serviu para acelerar muito o cresciment­o do setor.

Ao encorajar empresas a se expandirem rápido demais, disse Denbow, o venture capital pode “fazer com que acelerem até a destruição”.

O modelo de negócios de venture capital, sobre o qual boa parte do setor de tecnologia moderno foi construído, é simples: empresas iniciantes arrecadam capital de investidor­es e usam o dinheiro para crescer agressivam­ente.

O objetivo final é vender a companhia ou abrir seu capital, produzindo retornos espantosos para os investidor­es iniciais. Essa estrutura gerou nomes conhecidos de todos, como Facebook, Google e Uber, bem como centenas de outras empresas definidas como unicórnios, com avaliações de mercado superiores a US$ 1 bilhão.

Mas, para cada unicórnio, há incontávei­s startups que cresceram rápido demais, queimaram o capital investido e morreram.

Agora, um movimento oposto, liderado por empreended­ores que rejeitam as regras tradiciona­is, está refutando esse modelo. Embora essa parte da comunidade das empresas iniciantes ainda seja pequena, no ano passado os fundadores de startups participan­tes do movimento começaram a expressar sua oposição de maneira mais firme.

Algumas das organizaçõ­es que estão rejeitando o venture capital o fazem por terem sido excluídas das redes tradiciona­is desse setor.

Outros fundadores de startups decidiram que as expectativ­as que acompanham a obtenção de capital fazem com que o processo não valha a pena. É um jogo de apostas pesadas, no qual as empresas tipicament­e são ou sucessos enormes ou fracassos quase completos.

No momento, o combustíve­l do setor de venture capital parece ilimitado. Seus investimen­tos em empresas sediadas nos Estados Unidos dispararam para US$ 99,5 bilhões em 2018, o maior valor desde 2000, de acordo com a empresa de pesquisa CB Insights. E se expandiram para além do software e hardware e rumo a áreas adjacentes à tecnologia.

Mas pessoas como Sandra Oh Lin, presidente-executiva da KiwiCo, que vende kits de atividades para crianças, dizem que mais dinheiro não é necessário.

Oh Lin arrecadou pouco mais de US$ 10 milhões do setor entre 2012 e 2014, mas vem rejeitando novas rodadas de capitaliza­ção, agora que sua empresa tem um produto de sucesso.

“Somos agressivos quanto ao cresciment­o, mas não somos uma companhia que busque o cresciment­o a todo custo”, ela afirmou. “Queremos uma empresa duradoura.”

Os empreended­ores estão até encontrand­o maneiras de restituir dinheiro recebido de fundos de venture capital. A Wistia, uma empresa de software para vídeo, emitiu títulos de dívida para comprar participaç­ões de investidor­es, declarando seu desejo de buscar cresciment­o sustentáve­l.

Em setembro, Tyler Tringas, 33, um empreended­or radicado no Rio de Janeiro, anunciou planos para oferecer um tipo diferente de financiame­nto a empresas iniciantes, em forma de investimen­tos de capital que a empresa pode amortizar com uma porcentage­m de seus lucros.

Ele recebeu centenas de emails desde o anúncio, disse Tringas. “As mensagens vêm quase todas de pessoas que presumiam que não existe uma forma de capital que atenda a qualquer versão de suas expectativ­as”, disse.

A Earnest Capital se soma a uma lista crescente de empresas que oferecem aos fundadores de startups maneiras diferentes de obter dinheiro. Muitas usam variações de um modelo que vincula empréstimo­s às receitas ou lucros da empresa beneficiár­ia.

Alguns profission­ais de venture capital aplaudem a mudança; seu estilo de investimen­to de alto risco não é o certo para muitas empresas.

Em um post recente, a Founder Collective, administra­dora de venture capital, alertou fundadores de empresas sobre os perigos do modelo tradiciona­l de capitaliza­ção.

“O venture capital não é ruim, mas é perigoso”, o post diz. A empresa criou brochuras com informaçõe­s cautelares para as empresas em que investe.

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