Terapia com choque pode ser eficaz em casos mais graves de depressão
Nota técnica do Ministério da Saúde quer elevar oferta do tratamento , ainda visto como tortura
Uma nota técnica do Ministério da Saúde sobre as mudanças na atual política de saúde mental, álcool e outras drogas que pretende aumentar a oferta da eletroconvulsoterapia, conhecida como “eletrochoque, foi recebida com críticas a um possível retrocesso da gestão Bolsonaro em relação às conquistas obtidas pela reforma psiquiátrica e luta contra os manicômios no país.
A eletroconvulsoterapia é regulada desde 2002 pelo CFM (Conselho Federal de Medicina), mas muitos ainda associam esse tratamento aos métodos de tortura e crueldade do passado.
Os aparelhos, porém, evoluíram nas últimas décadas e os cuidados para que o paciente não sinta dor ou desconforto também. Ainda assim, persistem o estigma e o preconceito em torno dessa técnica.
A terapia faz parte dos chamados tratamentos biológicos em psiquiatria, cujos efeitos não dependem de medicações ou dos resultados farmacológicos, mas, sim, de alterações neurofisiológicas geradas a partir de um estímulo, no caso, elétrico.
A modificação da química cerebral para a liberação de certos neurotransmissores também é o princípio de ação de vários remédios psiquiátricos, mas essa ação é sistêmica, ou seja, a substância ativa do remédio circula por todo o corpo, causando efeitos colaterais.
Vários estudos nacionais e internacionais têm demonstrado que se trata de uma ferramenta eficaz no tratamento de distúrbios psiquiátricos graves, como esquizofrenia, depressão profunda e transtornos bipolares, especialmente aqueles que não respondem mais às medicações convencionais.
Em algumas situações, como quadros psicóticos e transtornos mentais graves em idosos e gestantes, a eletroconvulsoterapia pode até ser a primeira escolha de tratamento e, muitas vezes, mostra-se mais segura do que o uso constante de alguns fármacos.
Em casos de depressão na gravidez ou durante a amamentação, por exemplo, as substâncias químicas do medicamento podem ser absorvidas pelo bebê por meio da placenta ou do leite materno.
O tratamento é estudado há anos em universidades como a USP e a Unifesp e adotado por vários hospitais e clínicas psiquiátricas privadas. Há, inclusive, muitas decisões judiciais obrigando os planos de saúde a custeá-lo. Uma sessão pode custar cerca de R$ 2.500, mas muitas vezes são necessárias várias delas.
Na depressão, a eletroconvulsoterapia é geralmente indicada quando as medicações não surtem mais resultado, quando há excesso de efeitos colaterais ou ainda quando existe algum de risco iminente para o paciente, como uma tentativa de suicídio.
O procedimento não é indicado para todos os quadros psiquiátricos e, quando prescrito pelo médico especialista, só pode ser realizada com consentimento do paciente ou de algum responsável da família.
O paciente recebe anestesia geral, e os eletrodos induzem uma corrente elétrica no cérebro que provoca a convulsão, alterando os níveis de neurotransmissores e neuromoduladores, como a serotonina.
A eletroconvulsoterapia também provoca efeitos indesejáveis que incluem náusea e perda de memória. Os defensores da técnica, porém, dizem que o problema é temporário e perdas permanentes de recordações são muito raras. Há estudos que buscam diminuir esses efeitos.
Para o psiquiatra Leonardo Peroni de Jesus, a história não foi justa com a eletroconvulsoterapia (ECT), considerada por ele uma ferramen- ta importante no tratamento psiquiátrico.
“É sabido que regimes totalitários se utilizaram não só da ECT como da própria psiquiatria para aplicar torturas desumanas em seus desafetos políticos e ideológicos. Telenovelas e filmes também não têm sido tolerantes com a ECT, retratando-a, mesmo recentemente, como instrumento de tortura, realizada sem critérios e sem oferecer conforto ao paciente. Preciso aqui desmentir equívocos frequentemente repetidos, perpetuados por ideologias retrógradas e esvaziadas.”
Hoje, há uma nova fronteira de estudos que buscam estimular o cérebro contra depressão, obesidade mórbida e vício em drogas, por exemplo, com aparelhos menos invasivos do que o usado na eletroconvulsoterapia, o que pode reduzir riscos e custos.
As novas tecnologias usam carga elétrica baixa ou impulsos magnéticos que são indolores e têm ação localizada. Incluem aparelhos de estimulação transcraniana, que são posicionados no couro cabeludo e na testa e podem usar energia elétrica ou magnética, e implantes de eletrodos no cérebro (estimulação cerebral profunda).
Em 2012, a estimulação magnética transcraniana recebeu o aval do CFM e deixou de ser um procedimento experimental no país para três indicações terapêuticas: tratamento de depressões uni e bipolar, de alucinações auditivas em esquizofrenia e para planejamento de neurocirurgia.
Nos EUA, a FDA (agência americana que regulamenta medicamentos) aprovou a estimulação em 2008.
Os principais riscos envolvidos na estimulação cerebral são transitórios, como dores de cabeça, cervicais e formigamento. A terapia também pode afetar a audição e, mais raramente, causar convulsões.
No caso da estimulação cerebral profunda, somam-se os riscos cirúrgicos, como da anestesia e de infecções.
Em artigo na revista Jornal Internacional de Lei e Psiquiatria, Jan-Hendrik Heinrichs, do Instituto de Neuroscience e Medicina de Julich, na Alemanha, alerta para o perigo de se superestimar as possibilidades e benefícios da manipulação tecnológica em relação às abordagens mais humanistas da medicina.