Saiba como foi produzida a reportagem que revelou o caso do sítio usado por Lula
A reportagem que revelou a reforma financiada pela empreiteira Odebrecht no sítio frequentado pelo expresidente Lula teve muitos percalços e horas perdidas em busca de documentos que pudessem comprovar a ligação da empresa com a obra.
Na falta desses papéis, tive um grande aprendizado sobre como fazer uma apuração com um exaustivo trabalho de campo e de escuta das pessoas que vivenciaram os fatos.
Foram cinco meses de viagens para Atibaia, que fica a 60 km da capital. Nesse período, a rodovia Fernão Dias e as estradinhas do município viraram a minha Redação.
Procurei trabalhadores autônomos, comerciantes e moradores. Visitei dezenas de estabelecimentos comerciais e parei para falar com qualquer prestador de serviço que estivesse instalando uma antena ou consertando uma cerca.
Os primeiros contatos com a comunidade não renderam muitas informações. As pessoas tinham receio de falar com um estranho a respeito de um tema que envolvia gente importante. Mas, à medida que eu voltava a buscar um novo contato, os primeiros relatos foram surgindo: “converse com tal pessoa, vá a tal lugar”.
Um dono de loja ficou quase duas horas de papo furado comigo e, só ao se despedir, longe dos clientes, deu um nome importante para correr atrás.
Consegui chegar a uma das antigas donas de uma loja de materiais de construção, Patrícia Nunes. No primeiro contato, ela disse que não gostaria de aparecer, mas aceitava falar comigo. Disse a ela que nossa conversa seria em “off”, o que no jargão jornalístico significa que a fonte não será mencionada na reportagem.
Ela então me deu um relato detalhado sobre o forneci- mento de materiais para o pessoal da Odebrecht e as entregas feitas no sítio.
Busquei nos arquivos da loja e no escritório de contabilidade dela algum documento ou manuscrito que fizesse referência à Odebrecht, mas não encontrei. Passei então a depender de alguém que falasse sobre a participação da empresa na obra e aceitasse que seu nome fosse publicado.
Como Patrícia era a pessoa mais próxima ao fato, voltei a ela e pedi autorização para identificá-la como a fonte das informações. Ela ficou em silêncio por alguns segundos e respondeu: “Pode publicar, estou muito indignada com tudo que está acontecendo”.
A força-tarefa da Lava Jato passou a investigar a ligação da Odebrecht com as obras. E a Polícia Federal abriu um inquérito específico para apurar a atuação da empresa.
Nosso objetivo de fazer apuração independente de vazamentos de autoridades e advogados havia sido alcançado. E ficou a lição sobre a necessidade de dedicar mais tempo à busca de informações longe dos gabinetes, comendo poeira em estradas e gastando saliva com as pessoas nas ruas.