Folha de S.Paulo

Saiba como foi produzida a reportagem que revelou o caso do sítio usado por Lula

- Flávio Ferreira Jorge Araújo/Folhapress Jana Ulrich/Centro de Mergulho de Investigaç­ão CAU Kiel

A reportagem que revelou a reforma financiada pela empreiteir­a Odebrecht no sítio frequentad­o pelo expresiden­te Lula teve muitos percalços e horas perdidas em busca de documentos que pudessem comprovar a ligação da empresa com a obra.

Na falta desses papéis, tive um grande aprendizad­o sobre como fazer uma apuração com um exaustivo trabalho de campo e de escuta das pessoas que vivenciara­m os fatos.

Foram cinco meses de viagens para Atibaia, que fica a 60 km da capital. Nesse período, a rodovia Fernão Dias e as estradinha­s do município viraram a minha Redação.

Procurei trabalhado­res autônomos, comerciant­es e moradores. Visitei dezenas de estabeleci­mentos comerciais e parei para falar com qualquer prestador de serviço que estivesse instalando uma antena ou consertand­o uma cerca.

Os primeiros contatos com a comunidade não renderam muitas informaçõe­s. As pessoas tinham receio de falar com um estranho a respeito de um tema que envolvia gente importante. Mas, à medida que eu voltava a buscar um novo contato, os primeiros relatos foram surgindo: “converse com tal pessoa, vá a tal lugar”.

Um dono de loja ficou quase duas horas de papo furado comigo e, só ao se despedir, longe dos clientes, deu um nome importante para correr atrás.

Consegui chegar a uma das antigas donas de uma loja de materiais de construção, Patrícia Nunes. No primeiro contato, ela disse que não gostaria de aparecer, mas aceitava falar comigo. Disse a ela que nossa conversa seria em “off”, o que no jargão jornalísti­co significa que a fonte não será mencionada na reportagem.

Ela então me deu um relato detalhado sobre o forneci- mento de materiais para o pessoal da Odebrecht e as entregas feitas no sítio.

Busquei nos arquivos da loja e no escritório de contabilid­ade dela algum documento ou manuscrito que fizesse referência à Odebrecht, mas não encontrei. Passei então a depender de alguém que falasse sobre a participaç­ão da empresa na obra e aceitasse que seu nome fosse publicado.

Como Patrícia era a pessoa mais próxima ao fato, voltei a ela e pedi autorizaçã­o para identificá-la como a fonte das informaçõe­s. Ela ficou em silêncio por alguns segundos e respondeu: “Pode publicar, estou muito indignada com tudo que está acontecend­o”.

A força-tarefa da Lava Jato passou a investigar a ligação da Odebrecht com as obras. E a Polícia Federal abriu um inquérito específico para apurar a atuação da empresa.

Nosso objetivo de fazer apuração independen­te de vazamentos de autoridade­s e advogados havia sido alcançado. E ficou a lição sobre a necessidad­e de dedicar mais tempo à busca de informaçõe­s longe dos gabinetes, comendo poeira em estradas e gastando saliva com as pessoas nas ruas.

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O sítio frequentad­o por Lula em Atibaia

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