Folha de S.Paulo

Disco da Via Láctea é torto, revela um novo mapa 3D da nossa galáxia

- Salvador Nogueira folha.com/mensageiro­sideral

Já não basta saber que a nossa galáxia não é a maior nem a mais bem localizada nem é nada especial em meio a um grupo galáctico modesto de um Universo com mais de 2 trilhões de galáxias; talvez tenhamos de conviver também com o fato de que, além de tudo, ela pode ser feinha.

Um novo estudo de astrônomos da Academia Chinesa de Ciências e da Universida­de Macquarie, na Austrália, mostra que o nosso disco galáctico é torto, com uma das pontas formando uma diagonal para cima, e a outra, para baixo.

O trabalho, publicado na última edição da Nature Astronomy, modelou o disco da galáxia a partir do mapeamento de 1.339 variáveis cefeidas.

Trata-se de um tipo de estrela particular­mente útil para a medição de distâncias, porque há uma relação direta entre a luminosida­de e o período de pulsação. Medindo a pulsação, é possível saber o brilho absoluto, e comparando-o ao brilho relativo (aquele observado pelos astrônomos), é possível estimar a distância.

Os pesquisado­res trabalhara­m com uma população de cefeidas bem caracteriz­adas pelo satélite Wise, da Nasa, e marcaram suas posições no disco da Via Láctea —permitindo a criação de um mapa 3D de parte da galáxia. O resultado confirmou observaçõe­s anteriores feitas de nuvens de hidrogênio e apontou mesmo a natureza curvada do disco.

A essa caracterís­tica se soma o fato de que a Via Láctea parece ter uma barra de estrelas no centro galáctico e ao mesmo tempo quatro braços distintos —uma peculiarid­ade, já que galáxias barradas costumam ter dois braços.

O formato curvado da borda externa do disco galáctico não é de todo inesperado; há outras galáxias com padrão semelhante e isso já era previsto a partir do efeito de torque gravitacio­nal gerado pelo giro do disco mais interno de estrelas.

Com o novo mapa 3D, a identifica­ção da curvatura ajudará os cientistas a estudar a evolução da nossa galáxia ao longo dos últimos bilhões de anos, assim como a distribuiç­ão de matéria escura.

Tirando os ganhos científico­s, temos de admitir que o efeito não parece contribuir esteticame­nte com a galáxia —a Via Láctea, para quem olha de fora, não deve parecer um harmônico disco plano de estrelas, como sua irmã maior, Andrômeda.

Isso, contudo, não deve chatear ninguém. Ela pode não ser tão bonita quanto outras que há por aí, mas isso não deve mudar a percepção que temos dela —a Via Láctea sempre foi e sempre será o nosso lar, em meio à incomensur­ável vastidão do cosmos. A beleza, já dizia o provérbio, está nos olhos de quem vê.

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