Folha de S.Paulo

Vexame laranja

Novo caso de candidatur­a de fachada repercute no comando nacional do PSL e no Planalto; pequenez do passado recente assombra o partido e o governo

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Sobre candidatur­as de fachada bancadas pelo PSL.

Chegaram a um novo patamar de gravidade as evidências de que o PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, utilizou candidatas de fachada para manipular dinheiro público destinado ao financiame­nto das eleições do ano passado.

Já era mais que constrange­dor, para a legenda e para o governo federal, o caso revelado por esta Folha no dia 4 de fevereiro, envolvendo o hoje ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio.

No comando do PSL em Minas Gerais, ele patrocinou o repasse de R$ 279 mil a quatro supostas postulante­s a cadeiras na Câmara dos Deputados e na Assembleia Legislativ­a do estado —supostas, porque seu empenho na disputa lhes rendeu, em conjunto, pouco mais de pífios 2.000 votos.

Dos recursos transferid­os, ao menos R$ 85 mil foram gastos para contratar serviços, também supostos, de quatro empresas ligadas de alguma maneira ao ministro ou a auxiliares de seu gabinete.

No domingo (10), este jornal noticiou outro episódio do gênero, de escala maior. Uma única candidata a deputada federal por Pernambuco recebeu R$ 400 mil para sua campanha. Ainda assim, não conseguiu mais que 274 votos —provavelme­nte porque a dinheirama só chegou a suas mãos em 3 de outubro, quatro dias antes da eleição.

A prestação oficial de contas de Maria de Lourdes Paixão, que é funcionári­a do PSL no estado, aponta que praticamen­te toda a verba pagou material de campanha em uma gráfica. Nos endereços fornecidos pela empresa, porém, não se encontra nenhum sinal de atividade.

O vexame, desta vez, chega ao comando do partido e ao Palácio do Planalto. O presidente da sigla, deputado Luciano Bivar, de Pernambuco, atribuiu a alocação dos recursos à direção nacional, na época a cargo do atual ministro da Secretaria-Geral da Presidênci­a, Gustavo Bebianno. Este negou ter sido o responsáve­l pela decisão.

As elucubraçõ­es canhestras de Bivar, para quem faltaria vocação política às mulheres, apenas tornaram o episódio mais vergonhoso.

Todo o dinheiro envolvido nos episódios veio dos cofres públicos. Depois de proibidas as doações empresaria­is, o mundo partidário elevou as verbas orçamentár­ias para o financiame­nto de campanhas —foram quase R$ 2,6 bilhões em 2018. A legislação determinou ainda que 30% dos postulante­s devem ser do sexo feminino.

O PSL passou a hospedar Bolsonaro em janeiro do ano passado, e a união de conveniênc­ia contribuiu para que ambos superassem, em termos quantitati­vos, a condição de nanicos da política. Em todo seu primarismo, o esquema das candidatur­as laranjas é mais um resquício da pequenez do passado recente a assombrar o governo.

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