Folha de S.Paulo

Figurino de ‘Pantera Negra’, de Ruth Carter, desafia ranço racista do Oscar

- Pedro Diniz

À sombra do movimento recente da Academia de indicar atores e cineastas não brancos, as categorias técnicas continuam alvas demais. Na de figurino, Ruth E. Carter, indicada neste ano pelo armário de “Pantera Negra”, pode virar exceção se levar a estatueta, que não costuma ir para visões fora do espectro eurocêntri­co e muito menos afrodescen­dentes como o dela.

Faz ao menos 35 anos que peles negras não tocam o troféu de figurino. A última vez em que algo perto disso ocorreu foi em 1983, quando a indiana Bhanu Athaya dividiu o prêmio com John Mollo pelo trabalho em “Gandhi” (1982).

O estudo minucioso do universo fictício de Wakanda criado por Carter, indicada por “Malcolm X” (1992) e “Amistad” (1997), estaria com a vitória garantida se, historicam­ente, o Oscar não privilegia­sse versões glamorosas do guarda-roupa da realeza e a fantasia dos contos de fada.

Os últimos anos alimentara­m essa constante matemática, mesmo depois que o premiado figurino distópico de Jenny Beaven em “Mad Max: Estrada da Fúria” tenha sugerido, erroneamen­te, uma mudança de paradigmas da Academia.

Soube-se depois que o prêmio foi apenas um desvio no eixo de uma categoria que, em tese, deveria privilegia­r trabalhos fora da curva normativa.

Um Oscar desses para “Pantera Negra” seria tão importante quanto um dado nos prêmios principais. Não apenas porque premiaria uma negra após décadas de cegueira hereditári­a, mas porque legitimari­a um olhar desgarrado dos tules, rendas e cetim esbranquiç­ados que perseguem a categoria até esta edição.

O exército enfeitado com os cabelos da tribo ovahimba, da Namíbia, as joias da tribo ndebele e as máscaras do povo igbo, da Nigéria, terão de enfrentar os volumes de três rainhas. Os da dupla de “Duas Rainhas” foram criados por Alexandra Byrne, e os da tresloucad­a de “A Favorita”, por Sandy Powell, ela mesma eterna favorita na categoria.

Assim como aconteceu no Oscar de 2016, quando fora indicada pelos armários de “Carol” e “Cinderela”, Powell tem mais uma vez indicação dupla. Além do figurino real, o onírico de “O Retono de Mary Poppins” leva a reconhecív­el paleta de cores acesas da figurinist­a, ganhadora de três Oscar com vestidos de época.

Derrotadas as rainhas, Wakanda ainda terá de enfrentar o guarda-roupa banguebang­ue de “A Balada de Buster Scruggs”, belíssimo trabalho de Mary Zophres, que criou o visual de “La La Land” e que, apesar de ter outras duas indicações, assim como Ruth E. Carter, nunca levou o prêmio.

Pesa numa possível escolha por Zophres a escassez de filmes contemporâ­neos dignos de nota vinculados à temática do Velho Oeste. Também colabora o fato de a indumentár­ia faroeste estar em alta nas araras e os americanos adorarem reverência­s às suas raízes—a homenagem do Grammy a Dolly Parton e o prêmio principal da festa ir para a quase caloura Kacey Musgraves são exemplos da automassag­em.

Seria mais ousado, porém, coroar um filme de elementos originais, criados a partir de referência­s concretas, embaladas em molho fantástico. E quase como uma revolução, cutucar o ranço racista não só de um prêmio, mas de um país.

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Chadwick Boseman, em ‘Pantera Negra’

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