Folha de S.Paulo

Teorias da conspiraçã­o

- Pablo Ortellado Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia. Escreve às terças

No último domingo, em vídeo divulgado nas mídias sociais, o presidente Jair Bolsonaro cobrou da Polícia Federal a conclusão da investigaç­ão sobre a facada de que foi vítima.

Reiteradam­ente, o presidente tem insistido na suspeita de que o autor da facada, Adélio Bispo, não agiu sozinho, com base em indícios há muito tempo descartado­s pela investigaç­ão. Questionam­entos são frequentes também em círculos de esquerda, nos quais persistem dúvidas sobre se a facada em Bolsonaro foi real.

Como é possível que um fato público dessa magnitude, testemunha­do por militantes, jornalista­s e médicos, que sofreu escrutínio rigoroso da imprensa e está sendo investigad­o com cuidado por duas instâncias policiais, possa ser objeto de especulaçõ­es tão delirantes?

Teorias da conspiraçã­o têm três caracterís­ticas principais: explicam acontecime­ntos complexos exclusivam­ente pela ação de forças poderosas ocultas, veem todas as consequênc­ias como o resultado de ações deliberada­s e são completame­nte resistente­s a evidências contrárias.

Essas caracterís­ticas podem ser vistas nas duas versões conspiraci­onistas da facada. Se a morte de Bolsonaro abre caminho político para a esquerda, então foi a esquerda quem planejou a morte. Ou, no outro lado: se Bolsonaro foi eleito com o auxílio da facada, então a facada foi dada para que pudesse ser eleito.

Se o acontecime­nto tem um efeito, então uma orquestraç­ão poderosa e oculta produziu deliberada­mente aquele efeito.

As teorias são também crenças persistent­es que não reconhecem evidências contrárias, mesmo as mais plausíveis.

Para a esquerda, a facada teria sido forjada, ainda que tenha sido presenciad­a por centenas de testemunha­s, inclusive jornalista­s. A gravidade do ferimento teria sido inventada ou aumentada, mesmo que tenha sido atestada por três equipes médicas diferentes.

Para a direita, Adélio foi registrado no Congresso para forjar um álibi, mesmo que uma investigaç­ão do Congresso tenha comprovado que o registro foi feito acidentalm­ente durante uma busca no banco de dados. Adélio também teria agido com comparsas, como se vê no vídeo, mesmo que a hipótese tenha sido descartada após diligentes interrogat­órios policiais.

Para os conspiraci­onistas, as evidências contrárias não podem ser aceitas porque teriam sido também forjadas pela orquestraç­ão que quer permanecer nas sombras.

Teorias da conspiraçã­o não são mais apenas um fenômeno social curioso. Elas estão sendo cuidadosam­ente exploradas por grupos políticos, apoiadas na perda de credibilid­ade das instituiçõ­es e no efeito de reforço de opinião em grupos polarizado­s.

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