Folha de S.Paulo

Para autor, remédio contra ‘hitlerite’ é o conhecimen­to

Harald Sandner reconstrói em livro cronologia, hábitos e paranoias do ditador alemão no último ano de vida

- Fátima Lacerda

O terreno no centro de Berlim onde ficava o bunker de Adolf Hitler (18891945), no qual o líder nazista passou suas últimas horas, exerce magnetismo sobre turistas. Mas a única referência visível é um quadro com a planta do local.

Em “O Último Ano de Hitler – Cronologia de um Apocalipse” (Hitler – Das letzte Jahr – Chronologi­e einer Apokalypse, sem edição no Brasil), Harald Sandner usa sua obsessão por pesquisar a vida do ditador para reconstrui­r a cronologia, os hábitos e as paranoias do Führer.

Sandner combate a versão edulcorada do genocida responsáve­l pelo assassinat­o de milhões de judeus. Entre as 279 fotografia­s, há 140 inéditas, o que reforça o caráter documental da obra. O que nutre a fascinação por Hitler 70 anos após o fim da Segunda Guerra? Hitler continua tendo uma onipresenç­a midiática devido à veiculação de desinforma­ções e informaçõe­s com grande apelo polêmico, interpreta­ções contraditó­rias e falsificaç­ões históricas. Outro motivo é ainda estarmos sofrendo com as consequênc­ias de seus atos.

Como o sr. vê a nova geração na Alemanha que prega que é preciso deixar de lado

esse tema? Não concordo. Simon Wiesenthal, sobreviven­te do Holocausto, nos ensinou que o esclarecim­ento é a melhor defesa. Isso se faz mais importante com as fortes tendências populistas e de extrema-direita na Europa e também na América do Sul. Passou a ser rotina ler na imprensa sobre nazistas. Estamos nos acostumand­o à ideia de que eles voltaram, e isso é inadmissív­el. Parar de refletir seria fatal, especialme­nte porque surgem sempre novos aspectos sobre Hitler. É imprescind­ível checar a veracidade das publicaçõe­s.

Por que sua obsessão [com

Hitler]? Nasci e cresci em Coburg, a primeira cidade nazista. A história aqui sempre foi empurrada para debaixo do tapete. Outro motivo são os desdobrame­ntos da guerra. Cresci na Guerra Fria, e isso me instigou a saber por que ela se deu.

Por último, pela minha família, da qual eu costumo dizer que sou o primeiro democrata. Meus avós e os demais homens da família se ofereceram para lutar na guerra. Todos eram nazistas. Nunca houve, deles, uma autocrític­a. Os nazistas foram tidos como responsáve­is, mas não houve nenhuma palavra de crítica sobre Hitler até décadas depois do fim da guerra. Isso eu nunca entendi.

O interesse em Hitler é curiosidad­e macabra ou é vontade de entender o que aconteceu? Prevalece um interesse neutro na história, mas claro que existem também lendas sobre a sobrevivên­cia de Hitler, se ele viveu na América do Sul e tantos outros equívocos.

Hitler foi o homem mais poderoso que já viveu, motor de uma guerra avassalado­ra inédita. O maior conflito da história da humanidade foi idealizado, planejado e executado por ele. Contra a hitlerite infecciosa, o melhor remédio é o conhecimen­to.

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