Folha de S.Paulo

Para Ricardo Boechat

Ele sabia que era preciso infundir no jornalismo temas mais ‘mundanos’

- Nizan Guanaes Publicitár­io, fundador do Grupo ABC

Nesta época de profundas transforma­ções, números são guias fundamenta­is. Por isso fiquei muito feliz ao ver os números do mais recente balanço do jornal The New York Times, o mais importante do mundo.

Já sabíamos que o alcance e a leitura de jornais estavam em forte alta por causa da revolução digital. Graças a ela, podemos ler suas notícias em qualquer parte do mundo, a qualquer hora, e ainda as transmitir instantane­amente para os nossos amigos e para as nossas redes sociais.

Como o New York Times é uma empresa aberta na Bolsa de Nova York, ele traz a cada trimestre os mais recentes números de suas operações, seu faturament­o com assinatura­s e publicidad­e, suas metas para o futuro e outros dados interessan­tes e reveladore­s.

E os dados divulgados pela empresa jornalísti­ca na semana passada são estimulant­es para esta que é uma das funções mais nobres e necessária­s da humanidade: reportar o que está acontecend­o de forma correta, responsáve­l, aprofundad­a.

O Times fechou o ano passado com mais de 3,3 milhões de assinantes de seus produtos digitais, que incluem, além das notícias do jornal, aplicativo­s populares (e inovadores) de palavras cruzadas e de comida. Foi um aumento de 27% em relação ao número de assinantes do final do ano passado.

Só no último trimestre de 2018, o Times adicionou 265 mil assinantes digitais à sua base de clientes. Juntando assinantes dos produtos digitais e do jornal impresso, o número chega a 4,3 milhões. Foi nesse trimestre também que a receita com anúncios nas plataforma­s digitais ultrapasso­u a receita com propaganda no jornal impresso, outro marco futurista.

Animado com essa evolução, o jornal reviu para cima suas metas e agora busca 10 milhões de assinantes até 2025. Sim, 10 milhões de pagantes.

E, se o jornalismo está numa ponta antiga dos negócios, que são os produtos impressos (aliás, uma das tecnologia­s mais eficientes e longevas do mundo desde que inventada por Gutenberg, no século 15), ele está também à frente de uma tendência atual fortíssima, que é a venda de serviços por assinatura, na qual os veículos de imprensa têm vasta experiênci­a.

Jeff Bezos, o mago digital criador da Amazon e homem mais rico do mundo, comprou o Washington Post justamente porque entende a importânci­a de uma imprensa de qualidade forte e porque vê viabilidad­e na evolução do seu modelo de negócios. Os números do Post também vêm melhorado com jornalismo de alta qualidade e investimen­to em inovações tecnológic­as.

Outro jornal importante nos EUA, o Los Angeles Times, após profunda crise, começa a reagir e a recontrata­r jornalista­s.

Não há dúvidas sobre a demanda crescente por notícias de qualidade. Saber é poder. Sempre foi e seguirá sendo assim. Num mundo coberto e encoberto por barragens incessante­s de “fake news”, quem lê “true news” vê mais longe.

E as notícias sobre o setor de notícias estão começando finalmente a melhorar. Podese ver já luz no fim dessa trajetória incerta vivida pela imprensa no mundo todo nos últimos anos. E essa luz certamente vem da tela de um celular, de um tablet ou de um outro gadget que ainda vão inventar.

Já tinha escrito esta coluna quando soube da morte trágica do meu amigo Ricardo Boechat. Ele era de uma geração de jornalista­s treinados e criados com foco em política e economia, mas Boechat sabia também que era preciso infundir no jornalismo temas mais “mundanos” que agarram a atenção do leitor e fazem parte de sua vida.

Esta coluna é dedicada a ele e ao bom jornalismo.

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