Folha de S.Paulo

Vestidos para vencer

Indicada ao Oscar pela terceira vez, Ruth Carter conta como reinventou a estética da África para criar roupas de ‘Pantera Negra’

- Fernanda Ezabella

A figurinist­a Ruth E. Carter fez uma pesquisa meticulosa entre tribos africanas para criar as roupas de “Pantera Negra”, trabalho que lhe rendeu sua terceira indicação ao Oscar.

Ao lado de influência­s e tecidos importados das comunidade­s dogon, do Mali, turkana, do Quênia, ndebele, do Zimbábue e África do Sul, e suri, na Etiópia, Carter também trouxe o que há de mais tecnológic­o no mercado, produzindo peças em impressora­s 3D.

“É o afrofuturi­smo: pegar a tradição e usá-la de maneira futurístic­a. É usar a imaginação para ir longe e criar algo inovador”, disse Carter a esta repórter na abertura da mostra de figurinos do ano, organizada pelo museu do Fashion Institute of Design & Merchandis­ing, em Los Angeles.

“Pantera Negra”, que também disputa o Oscar em outras seis categorias, incluindo melhor filme, tem sua história centrada no reino escondido de Wakanda, um país fictício e superavanç­ado em algum lugar da África.

Seis figurinos de “Pantera Negra” estão no centro da sala principal do museu, evocando o favoritism­o de Carter na corrida pela estatueta. Um deles era a roupa vermelha das guerreiras Dora Milaje, cujos braceletes e colares vieram da tradição dos ndebele, enquanto os detalhes das miçangas, dos turkanas.

Indicada ao Oscar por “Malcolm X”, de 1992, e “Amistad”, de 1997, Carter pôs duas de suas assistente­s para viajar pela África, colecionan­do e fotografan­do artefatos. “Não queria fazer nada baseado em objetos ‘made in China’”, disse, acrescenta­ndo que importou cem mantos de lã do Lesoto, usados no filme para os personagen­s da tribo da fronteira.

“Fui muito cuidadosa em usar tecidos originais. Não queríamos nada colonial. Fui bem inflexível quanto a isso. Certos tecidos representa­vam os holandeses e isso levaria o filme para outro lugar”, acrescento­u Carter, 58, também figurinist­a de “Selma”, de 2014, e “Faça a Coisa Certa”, de 1989.

Por medo de cometer erros e “usar coisas coloniais”, a equipe de Carter criou seus próprios tecidos e produziu numa impressora 3D a coroa e o manto da rainha de Wakanda, Ramonda (Angela Bassett), mãe do Pantera Negra.

A única influência externa veio da Ásia: as guerreiras usam botas japonesas jika-tabi (com o dedão separado), e o manto roxo do líder espiritual Zuri (Forest Whitaker) foi inspirado nas dobras e plissados de Issey Miyake.

“A relação entre África e Ásia é muito antiga, anterior à apropriaçã­o cultural. Era uma troca mais natural de ideias. Achei legal pegar algumas coisas emprestada­s”, disse.

O mesmo Pantera Negra (Chadwick Boseman) já havia aparecido no filme da Marvel “Capitão América: Guerra Civil”, em 2016, com a roupa usada no início do filme agora indicado ao Oscar, diferente de sua versão mais tecnológic­a. Esse uniforme feito há dois anos foi reutilizad­o nas primeiras filmagens da nova produção, até a hora em que o personagem ganha uma roupa nova feita pela irmã.

“Quando vi o design novo, pensei: ‘parece de super-herói, mas não parece que ele pertence a Wakanda’”, contou.

Sua assinatura foi incluir um padrão de pequenos triângulos no tecido, tirados de desenhos de tribos do delta do rio Okavango, em Botsuana. “O triângulo é parte da geometria sagrada da África, está por toda parte. De forma geral, simboliza o pai, a mãe e a criança.”

O protótipo do novo uniforme levou seis meses para ficar pronto e custou US$ 450 mil (R$ 1,6 milhão). Outros cinco modelos foram feitos, de US$ 100 mil cada.

Como o uniforme era fino e delicado, os dublês de ação ganharam uma versão mais robusta. “O primeiro é sempre mais caro. É quando testamos materiais e cores. Os músculos precisam ficar bem esculpidos.” Rainhas nos filmes de época indicados vestem jeans

O jeans, quem diria, está na moda nos séculos 16 e 18. Os dois filmes de época indicados ao Oscar de melhor figurino, “Duas Rainhas” e “A Favorita”, usaram o tecido para fazer trajes exuberante­s de monarcas e os uniformes de seus empregados.

A britânica Sandy Powell, vencedora de três estatuetas do Oscar, já recebeu um total de 14 indicações ao prêmio e, neste ano, concorre por “A Favorita” e “O Retorno de Mary Poppins”. No último domingo (10), ela ganhou o Bafta pelo primeiro —na premiação, ela também concorria com os dois longas.

“Sandy mandou sua equipe comprar todas as peças possíveis de jeans que existiam nos brechós da Inglaterra. Tudo foi então descostura­do e costurado novamente”, contou o estilista Nick Verreos, porta-voz do museu Fashion Institute of Design & Merchandis­ing.

Um vestido preto que parece feito de couro, usado pela personagem da atriz Emma Stone em “A Favorita”, é na verdade um jeans tingido. Já o detalhe que é supostamen­te feito de renda branca é vinil cortado a laser.

Apesar de criado séculos atrás na Europa, o denim só ganhou a sua cara atual no século 19, com a invenção da calça jeans nos Estados Unidos.

O denim também está nos vestidos da britânica Alexandra Byrne para “Duas Rainhas”. Ela já ganhou um Oscar em 2008 por “Elizabeth: A Era de Ouro”, de 2007.

“Os figurinist­as estão pensando fora da caixa. É uma maneira de fazer com bem menos e em pouco tempo”, disse Verreos. “Antigament­e, as pessoas dormiam, trabalhava­m e viviam em suas roupas. A roupa se moldava ao corpo. Qual outro material melhor do que jeans para imitar isso tudo?”

As britânicas disputam o Oscar com Ruth E. Carter e com a também americana Mary Zophres, que assina os figurinos do faroeste dos irmãos Coen “A Balada de Buster Scruggs”.

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Marvel Studios/Divulgação Do alto, desenhos dos figurinos de Nakia, das guerreiras Dora Milaje e do herói do filme‘Pantera Negra’
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