Folha de S.Paulo

Mostra revela sagacidade comercial de Dior e sua relação com Hollywood

Documentos e 222 vestidos compõem ‘Dior: De Paris para o Mundo’, organizada por Florence Müller

- Pedro Diniz

Um dos motivos que mantêm Paris como epicentro da moda é a quantidade de estilistas relevantes que a cidade lançou no século 20. Mas só um deles fez a capital francesa extrapolar os limites geográfico­s e virar símbolo do luxo quando a destruição deixada pela Segunda Guerra fez a alta-costura parecer morta.

Christian Dior, que acaba de ganhar em Denver, nos Estados Unidos, a primeira exposição das Américas com todo o seu legado imagético, foi o responsáve­l por resgatar a cidade da imagem de crise criativa que os americanos tentavam lhe impor no pós-Guerra.

Destroçada e sem clientes, Paris perdia para Nova York o título de locomotiva das tendências, fruto da expansão das lojas de departamen­tos e a explosão de novos designers que substituía­m os europeus nos guarda-roupas da elite.

Foi só quando ele levou o New Look —conjunto de saia mídi e jaqueta acinturada— a Estados Unidos, Venezuela, México e Ásia, que, em 1947, a França voltou ao jogo.

É esse percurso que aborda a mostra “Dior: de Paris para o Mundo”, organizada por Florence Müller, uma das mais respeitada­s historiado­ras de moda da atualidade e responsáve­l pela pesquisa de moda da marca, hoje comandada pelo grupo LVMH, da Louis Vuitton.

Os 222 vestidos, peças e outras centenas de documentos, vídeos e fotografia­s contam os passos de Dior rumo à internacio­nalização do seu nome, fato que, ao contrário do consenso popular, aconteceu bem antes de Pierre Cardin globalizar sua marca, em 1957.

“É um erro histórico da moda creditar a internacio­nalização das marcas a Cardin. Ele trabalhou no ateliê de Dior antes de fundar o seu próprio e reproduziu o modelo de negócio global que viu”, diz Müller.

Para provar a influência do estilista nas rodas fashionist­as do século 20, conseguiu tirar peças do Metropolia­n de Nova York, do Museu Henry Ford, também nos EUA, e pegar emprestado vários itens da coleção do jornalista britânico Hamish Bowles, célebre colecionad­or de alta-costura.

O plano de Müller era fazer uma versão enxuta de sua mostra “Christian Dior: Costureiro dos Sonhos”, de 2017, que levou milhares de pessoas ao Museu de Artes Decorativa­s, em Paris. Mas com a abertura quase concomitan­te de uma versão dessa mesma mostra em Londres, no Museu Victoria & Albert, preferiu outro recorte.

O espaço cenográfic­o foi concebido pelo arquitero Shohei Shigematsu, do escritório OMA, de Rem Koolhaas, e é todo construído em curvas, linhas sinuosas sem nenhum ângulo, assim como uma pétala, forma que inspirou Dior a criar o New Look e outros diversos vestidos —além da moda, vale dizer, o francês era um botânico dedicado.

“Claro que as pessoas se encantam pelos vestidos, mas o mais interessan­te é que conseguimo­s cartas privadas, contratos e fotos que comprovam o gênio dos negócios que ele foi. Descobri um controlado­r maluco, que não deixava nada passar, que viajou dos EUA ao Japão para globalizar a marca. Não surpreende que ele tenha morrido cedo de um ataque cardíaco”, conta Müller.

Uma das raras historiado­ras do segmento na Europa, ela lançou quase 30 livros ao longo da carreira e, só na Dior, já montou 15 exposições.

Para ela, se estivesse vivo, o estilista estaria na crista da onda das redes sociais, em que muitas vezes mais vale o choque imagético do que a beleza de uma roupa bem cortada.

“Quando você olha um vestido feito por ele, entende que, por mais simples, preto ou cinza que ele pareça, para os anos 1950 aquelas silhuetas eram o máximo da extravagân­cia. Por isso, ele costurou várias fantasias para o Carnaval de Granville [festa famosa na Europa].”

Essa capacidade de criar extravagân­cias que delineavam o corpo feminino foi um dos motivos que aproximou o estilista das estrelas de Hollywood, cruciais para o sucesso mundial da marca e que toma parte da exposição americana.

Marilyn Monroe, Rita Hayworth e, principalm­ente, Marlene Dietrich, foram clientes assíduas e amigas íntimas de Dior, que, de acordo com Müller, convencia as estrelas pelo “aspecto cinematogr­áfico e o apelo teatral de suas roupas”.

Aí reside a diferença da relação que Dior promoveu com Hollywood daquilo visto hoje nos tapetes vermelhos, quando uma chuva de grifes se digladiam por um corpo grifado.

“Elas eram clientes, simples assim. Hoje passamos, não só na moda, como na arte e na música, pelo grande negócio da imagem. A concorrênc­ia entre as marcas é feroz, e, sem um contrato e dinheiro, nada acontece.”

 ?? James Florio/Divulgação ?? Moldes de silhuetas dispostos em sala da primeira retrospect­iva de Dior nas Américas, em Denver, nos Estados Unidos
James Florio/Divulgação Moldes de silhuetas dispostos em sala da primeira retrospect­iva de Dior nas Américas, em Denver, nos Estados Unidos

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