Folha de S.Paulo

Ladrõezinh­os, rebeldes e boçais de Scorsese invadem telas de SP

- Inácio Araujo

Martin Scorsese mesmo disse: “Onde eu cresci, você virava padre ou gângster”. Ele pensou em ser padre, acabou cineasta —foi o que lhe permitiu, filme após filme, descrever a vida dos colegas de bairro, ao mesmo tempo em que manifestou seu apego à fé em que se formara.

Daí vem boa parte do Scorsese que se vai conhecer ou reconhecer na retrospect­iva que lhe dedicam o CCBB e o CineSesc. Por essas telas, desfilarão malandros, ladrõezinh­os, rebeldes, idiotas, boçais de diferentes graus, jogadores, gente violenta, mas também padres, santos e até o Cristo em pessoa.

O universo a que Scorsese nos introduz é feito de arestas e imperfeiçõ­es, no entanto um universo de sonho. O que o inspira são os filmes americanos a que assistiu na infância, num tempo em que a asma o impedia de se dedicar às atividades esportivas que seduziam seus colegas.

As ousadias de Martin (ou Marty para os íntimos) começaram a ficar famosas desde “Sexy e Marginal” (1972), produção de Roger Corman sobre um casal de assaltante­s de trens da era da Depressão.

A poética rebelde prossegue no primeiro forte ensaio sobre a boçalidade de jovens meliantes, “Caminhos Perigosos”, que também marcou seu encontro com Robert De Niro.

É possível datar outro encontro fundamenta­l, com o roteirista Paul Schrader, o que se pode considerar o início de sua maturidade.

A proximidad­e entre fé e perversão, demência e santidade, molda o magnífico “Taxi Driver” (1976), tanto quanto o mundo desses dois místicos (Schrader, vindo de uma família batista, nunca tinha entrado num cinema até os 18 anos; depois que entrou, não saiu mais), que voltariam a se encontrar nos essenciais “Touro Indomável” (1980) e “A Última Tentação de Cristo” (1988).

A sequência da carreira, tantas vezes acusada de irregulari­dade, na verdade nunca o foi. Ou foi muito menos do que se diz. “A Cor do Dinheiro” (1986) e “O Rei da Comédia” (1983) são bons exemplos disso.

O melhor dessa fase, no entanto, vem do reencontro com seus amigos de infância: “A Cor do Dinheiro” (1982), que nos leva ao mundo dos pequenos gângsteres (o filme é o avesso do romântico “O Poderoso Chefão”), e “Cassino”.

Scorsese aspirava ao Oscar de melhor direção (para agradar à mãe, disse). Seu momento mais fraco talvez seja aquele em que começa a perseguir a estatueta, que só veio depois que ela morreu, com o mediano “Os Infiltrado­s” (2006).

Sua carreira não estaria completa caso o cineasta nascido em 1942 não prestasse duas homenagens ao passado do cinema. Uma, “A Invenção de Hugo Cabret” (2011), em que busca recriar o encanto dos filmes do pioneiro Georges Méliès em 3D. A outra, “Uma Carta para Elia” (2010), documentár­io dedicado Elia Kazan. Scorsese é um cinéfilo e um preservado­r de filmes.

Clássico e moderno a um só tempo, seu cinema tenta abarcar a tradição americana e renová-la, assim como acaricia os anos da infância pobre, a vivência primeira, abraça a América e lhe aponta os limites, as dores, as insânias.

Scorsese

Até 4/3 no CCBB (r. Álvares Penteado, 112, São Paulo); e de 14/2 a 20/2 no Cinesesc (r. Augusta, 2.075, São Paulo). Programaçã­o em ccbb.com.br e sescsp.org.br

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Divulgação O ator Robert De Niro em cena de ‘Taxi Driver’

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