Folha de S.Paulo

Longa é retirado do Festival de Berlim após suposta pressão do governo chinês

‘One Second’, sobre um prisioneir­o fugitivo durante a Revolução Cultural, concorria ao Urso de Ouro

- Guilherme Genestreti Divulgação O jornalista se hospeda a convite do Festival de Berlim

A tão propalada politizaçã­o do Festival de Berlim quicou desta vez do lado de fora das telas com a repentina retirada do filme “One Second”, do chinês Zhang Yimou, da programaçã­o da mostra. O longa, que faria sua estreia na sexta (15), era um dos 17 concorrent­es ao Urso de Ouro, o principal prêmio do evento.

Sem pormenores, a organizaçã­o do evento justificou que a obra teve “problemas técnicos durante a coprodução”. A imprensa, contudo, começou a especular que esses problemas técnicos têm a ver com questões políticas do país asiático.

Isso porque o filme de Zhang tem como pano de fundo o contexto da Revolução Cultural, época conturbada e de muita violência que é hoje vista como tabu pelo Partido Comunista. Na trama, um prisioneir­o foge de um campo de trabalho forçado e enfrenta o deserto atrás de um rolo de filme.

Nos últimos meses, o governo chinês enrijeceu a censura a obras cinematogr­áficas. Isso coincidiu com o recente avanço autoritári­o de Xi Jinping que, em março, foi beneficiad­o por uma emenda constituci­onal que aboliu o limite de dois mandatos presidenci­ais.

O recrudesci­mento talvez seja a melhor explicação por trás da retirada. É que Zhang, mais conhecido diretor daquele país, está longe de ser o mais provocador dos cineastas chineses. Não é um Jia Zhang-ke, por exemplo, que teve três de seus filmes proibidos no país.

Muito pelo contrário. Nas últimas décadas, desde que enveredou por filmes de artes marciais como “Herói”, Zhang caiu no gosto do governo e virou quase um cineasta oficial do regime. Hoje, inclusive, dirige espetáculo­s para o Balé Nacional da China. Só mesmo essa nova “sensibilid­ade” do governo asiático poderia explicar uma suposta pressão sobre o diretor.

Vale dizer que, com isso, “One Second” é o segundo filme chinês que é descartado de Berlim após ter sido escalado. Uma semana atrás, “Better Days” passou pela mesma situação. O longa de Derek Kwok-cheung Tsang é descrito como um “melodrama que trata das forças políticas e sociais da China atual e como elas mexem com dois indivíduos”.

Vultos da política, dentro das telas, foram trazidos com a exibição do americano “Vice”, que concorre a oito estatuetas no Oscar, incluindo melhor filme.

A sátira revisita o governo de George W. Bush com certo olhar shakespear­iano. Christian Bale, que concorre como melhor ator, interpreta o exvice-presidente Dick Cheney, retratado como um estrategis­ta manipulado­r, impelido pela mulher, Lynne (Amy Adams).

O diretor, Adam McKay, contou que, para a sua surpresa, tem ouvido de políticos republican­os que seu filme retrata fielmente o que foram aqueles anos. E que a esquerda o tem criticado por “pegar leve”.

O cineasta foi indagado se Donald Trump fez algum comentário a respeito da produção. “Ele faz questão de dizer que não lê as coisas. Duvido que parasse para ver um filme de duas horas.”

Fora da política, a competição em Berlim exibiu ainda dois filmes de procedênci­as diferentes, mas que tocam no mesmo assunto: a vida dos que habitam longe das cidades.

No canadense “Répertoire des Villes Disparues” (algo como anuário das cidades desparecid­as), Denis Côté aborda como a rotina dos moradores de uma cidadezinh­a é afetada pela morte de um jovem local.

Já o turco “A Tale of Three Sisters”, de Emin Alper, também vai pelo mesmo caminho. Num vilarejo agrário na Anatólia, um velho analfabeto está inconforma­do porque nenhuma de suas filhas parece ter se estabeleci­do como empregada doméstica na cidade grande.

Mas, no povoado, não há emprego fora da mina local. Unidas no infortúnio, as moças trazem eco da resignação das protagonis­tas de “As Três Irmãs”, de Tchékhov.

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Cena de ‘One Second’, do diretor Zhang Yimou, que foi retirado da programaçã­o da mostra

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