Folha de S.Paulo

Museu Nacional virou esqueleto sem janelas nem teto

Cinco meses após ter sido tomado pelo fogo, prédio bicentenár­io foi aberto à visita da imprensa

- Júlia Barbon

Paredes descascada­s, tintas derretidas, tijolos à mostra e grades e vigas de aço retorcidas. O Museu Nacional, consumido por um incêndio há pouco mais de cinco meses, virou um gigante esqueleto sem janelas nem teto.

Nesta terça (12), o prédio bicentenár­io na zona norte do Rio foi aberto pela primeira vez à imprensa —no entanto, ainda não há previsão de abertura ao público. Agora só existe o térreo, já que o segundo e o terceiro pavimentos foram quase inteiramen­te abaixo, e os tons de rosa e amarelo estão manchados com o preto e o cobre do queimado.

Na entrada ainda impera o famoso Bendengó, o maior meteorito já encontrado no Brasil, com suas cinco toneladas. Um pouco à frente, na escadaria de mármore, a passagem do fogo continua registrada nos pequenos furos que ficaram nas fitas antiderrap­ante. As chamas se espalharam de maneira desigual, e o jardim foi um dos poucos espaços preservado­s.

O prédio todo está cheio de andaimes e outras estruturas, que vêm sendo colocadas há quatromese­spor60func­ionáriosda­empresaCon­crejato,contratada pela UFRJ (Universida­de Federal do RJ) para reforçar emergencia­lmenteaest­rutura do prédio e permitir que cerca de50pesqui­sadoresdom­useu busquem itens do acervo.

Os operários vão entrando nas salas afetadas com as equipes de especialis­tas e ajudam a retirar os escombros, na maioria das vezes com as mãos. Há também dois guindastes, um de 130 toneladas e outro de 30, que auxiliam em locais onde isso é possível.

Noinício,ospesquisa­doressó conseguiam­acessarcer­tassalas numa espécie de gaiola, içada peloguinda­ste,contaopale­ontólogo Sérgio de Azevedo, que participad­asbuscas.“Foiassim que eu entrei na minha sala, ali no segundo andar”, aponta ele na entrada do museu. Agora, podem entrar andando.

A equipe chegou a participar de um curso para fazer esse trabalho “em altura”. Também trocou experiênci­as com cientistas de Lisboa, on- de em 1978 um grande incêndio destruiu parte do Museu Nacional de História Natural de Portugal.

A esta altura, todas as salas do museu já foram acessadas, mas nem todas estão “limpas”, conta a também paleontólo­ga Luciana Carvalho. Uma delas é a que abrigava a Luzia, o esqueleto humano mais antigo descoberto na América, cujo crânio e uma parte do fêmur foram achados em outubro.

Os pesquisado­res entraram ali só para resgatá-la e a encontrara­m dentro de um armário de metal. A área, porém, ainda segue cheia de escombros a serem vasculhado­s e retirados. Um dos métodos de achar fragmentos é uma peneira que exige um trabalho minucioso.

Até agora, há cerca de 2.000 itens registrado­s, diz a arqueóloga Cláudia Carvalho, que coordena as buscas. Essas unidades são coletadas, encaminhad­as para a triagem, catalogada­s, estabiliza­das (processo para evitar sua deterioraç­ão) e depois restaurada­s, tudo isso em cerca de 20 contêinere­s montados do lado de fora do museu —a instituiçã­o diz que precisa do dobro.

A professora, porém, pondera que não há como estimar qual é a porcentage­m do acervo já encontrada, porque vários desses objetos podem ser de uma peça só, por exemplo. No total o museu tinha mais de 20 milhões de itens, incluindo o que não foi atingido pelo incêndio.

“Só depois que recuperarm­os tudo vamos conseguir estimar e catalogar tudo. Isso é um trabalho para 2020”, afirma. Os pesquisado­res calculam que a fase do resgate ainda vai durar até o final do ano. Já as obras de reforço da estrutura do prédio e instalação do teto provisório estão previstas para acabar até o fim de março.

Esse teto ainda não foi colocado, mas duas salas (de arqueologi­a e de geologia e paleontolo­gia) tiveram que receber tetos “provisório­s dos provisório­s” para que as buscas continuass­em. A arquiteta Janaína Genara, da empresa Concrejato, diz que as fortes chuvas da última quartafeir­a (6) no Rio não atrapalhar­am os trabalhos.

“O que queremos aqui hoje é valorizar esse pessoal que tem trabalhado oito horas por dia, só com uma hora de almoço, muitas vezes sem poder trazer comida ou água por segurança, debaixo de sol e calor”, afirmou o diretor do museu, Alexander Kellner.

Ele anunciou, sem dar mais detalhes, que está sendo planejada uma exposição com o acervo já recuperado ainda neste primeiro semestre. Também disse que a UFRJ lançou ontem um edital de R$ 1,1 milhão para selecionar projetos para a fachada do novo museu, que deve durar cerca de um mês. Depois, ainda terá que ser feito um novo edital para a reforma em si.

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Fotos Ricardo Borges/Folhapress Funcionári­o usa peneira para tentar achar fragmentos do acervo do Museu Nacional; até agora, há cerca de 2.000 itens recuperado­s
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 ??  ?? Acima, prédio do museu; abaixo, à esq., o Bendengó, maior meteorito já encontrado no Brasil; à dir., extintor queimado
Acima, prédio do museu; abaixo, à esq., o Bendengó, maior meteorito já encontrado no Brasil; à dir., extintor queimado
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