Folha de S.Paulo

Falhas em pedágio desviam R$ 1,2 bi para empresas

Segundo TCU, agência reguladora comete erros e edita normas falhas que pesam para motoristas

- Julio Wiziack e Fábio Fabrini

Auditoria do Tribunal de Contas da União aponta que concession­árias de rodovias federais ficaram indevidame­nte com até R$ 1,2 bilhão pagos por usuários graças a falhas. A agência que deveria fiscalizar o serviço disse que corrigirá irregulari­dades.

Empresas que operam rodovias concedidas pelo governo federal estão se apropriand­o indevidame­nte de recursos pagos pelo cidadão graças a falhas e normas irregulare­s editadas pela ANTT (Agência Nacional de Transporte­s Terrestres), órgão que deveria fiscalizar o serviço.

Auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União), obtida pela Folha, estima que condutores de veículos tenham pago ao menos R$ 1,2 bilhão a mais que o devido em praças de pedágio país afora.

A agência, diz a investigaç­ão, deixou de aplicar descontos obrigatóri­os nas tarifas, autorizou reajustes sem previsão contratual e permitiu a ampliação injustific­ada de custos com equipament­os.

Para obter uma concessão rodoviária, a empresa interessad­a se compromete a fazer, além da manutenção e conservaçã­o, investimen­tos.

Os contratos de concession­árias da terceira rodada de leilões —ocorrida em 2013 e 2014, no governo Dilma Rousseff (PT)— preveem que, em caso de descumprim­ento dessas obrigações e de parâmetros de qualidade, aplica-se um fator de abatimento no pedágio.

A apuração desse desconto é feita anualmente e ele deve ter aplicação imediata, na primeira revisão tarifária subsequent­e. A ANTT, porém, tem levado, em média, um ano e quatro meses para fazê-lo, segundo o TCU. Nesse período, o cidadão paga sem necessidad­e uma tarifa mais alta.

O relatório do tribunal sobre as concessões, concluído em novembro, estima que reduções de até 14% nos preços pagos pelos motoristas deixaram de ser aplicadas nos processos de reavaliaçã­o recentes.

Somente cinco empresas (MGO, Concebra, MSVia, CRO e Via 040) arrecadara­m R$ 313,6 milhões dessa forma.

O tribunal constatou que o cidadão tem pago pedágio até para manter pistas que não existem. Os contratos também determinam diminuição da tarifa quando a responsáve­l pela concessão não duplica.

Na Via 040 (Brasília-Juiz de Fora), o pedágio deveria ter ficado 1,22% mais barato por não terem sido duplicados 38,8 quilômetro­s, segundo a auditoria.

A ANTT também deu causa a aumento dos valores pagos pelos condutores ao editar, em 2009 e 2010, duas resoluções sobre os sistemas eletrônico­s instalados­nasrodovia­s(entre eles circuitos de TV e radares).

Elas padronizar­am os custos e as especifica­ções técnicas desses aparelhos, gerando incremento de R$ 670 milhões nos investimen­tos que deveriam ser feitos por oito detentoras de concessões do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2008 (ViaBahia, Transbrasi­liana, Litoral Sul, Fluminense, Planalto Sul, Rodovia do Aço, Fernão Dias e Régis Bittercour­t).

Esse valor foi coberto por reajuste das tarifas.

O TCU concluiu, no entanto, que os parâmetros das resoluções para os circuitos de TV eram os mesmos originalme­nte exigidos e, por isso, eles não impactaram os custos das empresas na prática.

No caso dos radares, os valores de referência previstos nas normas estavam superfatur­ados, segundo a corte.

O tribunal identifico­u também favorecime­nto às empresas no reajuste das tarifas de rodovias leiloadas no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 2000, a cargo das concession­árias NovaDutra, Concer e CRT.

Os contratos previam aumentos com base na variação de índices relativos aos principais componente­s de custo das rodovias. Segundo o tribunal, a ANTT alterou essa fórmula em 2011, para o IPCA.

Segundo o TCU, a alteração “trouxe significat­ivos prejuízos aos usuários, pois se estima que isso tenha resultado em tarifas de 11% a 14% maiores que as devidas”.

No caso da Nova Dutra (RioSão Paulo), o reajuste concedido entre 2011 e 2017 foi de 46%. Pelas regras originais, o porcentual seria de 28%. A arrecadaçã­o indevida teria sido de ao menos R$ 182 milhões.

Agência diz que vai fazer correções de receitas neste ano OUTRO LADO

A ANTT informou que ainda está analisando o relatório do TCU para decidir quais argumentos serão acolhidos e quais contestado­s.

A agência afirmou que, a partir deste ano, vai fazer as correções de receitas arrecadada­s a mais pelas empresas nos anos anteriores.

Em relação à alteração do índice de correção dos contratos das rodovias Concer, Nova Dutra e CRT, a agência informou que a decisão foi tomada para evitar que algumas concession­árias tivessem reajuste negativo.

A ANTT diz que essa alteração contratual foi discutida com o TCU e “não houve nenhuma manifestaç­ão por parte da corte de contas”.

Sobre as resoluções que trataram de circuitos de TV e radares, a agência diz que foram feitas por “antigas gestões”.

Em nota, a MGO Rodovias afirmou que os processos de revisão tarifária seguem os procedimen­tos estabeleci­dos no contrato de concessão.

A Concebra, a Transbrasi­liana e a Concer informaram que não se manifestar­iam, pois não foram notificada­s.

A Arteris, controlado­ra da Litoral Sul, Planalto Sul, Fluminense, Fernão Dias e Régis Bittencour­t, alegou não ter conhecimen­to do processo do TCU e, se for intimada, “prestará todos os esclarecim­entos”.

A CCR Lam Vias, que gerencia a NovaDutra e a MSVia, disse desconhece­r o relatório.

A Via 040 não se pronunciou. A Folha não obteve resposta das demais concession­árias.

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