Folha de S.Paulo

Uma lei muito mole

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

O ministro do STF Gilmar Mendes queixa-se do que parece ser uma investigaç­ão da Receita dirigida contra si e sua mulher, com direito a vazamento. Num país pautado pelo estado de Direito, autoridade­s deveriam investigar apenas fatos, e não pessoas, e zelar de verdade pelos sigilos que a lei lhes impõe.

O mundo real é um pouco mais selvagem. Preferênci­as políticas e pessoais estão em algum grau presentes nas decisões de todos os agentes públicos, de auditores a juízes, passando pelo guarda da esquina. Mendes sabe disso —o que não torna desculpáve­is abusos que tenham sido cometidos contra o ministro.

O que eu gostaria de discutir hoje, porém, é o conflito de interesses na magistratu­ra. Já que virou moda defender o endurecime­nto de leis, penso que a Loman (Lei Orgânica da Magistratu­ra Nacional) é muito mole e deveria ser recalibrad­a.

Na interpreta­ção que vem sendo dada ao diploma, Mendes não viola nenhum de seus dispositiv­os ao manter participaç­ão societária numa faculdade de Direito, mas não é preciso mais do que uma pitada de bom senso para perceber que essa é uma situação indesejáve­l, que a lei não poderia autorizar.

Juízes deveriam afastar-se tanto quanto possível de interesses pecuniário­s identificá­veis. Idealmente, deveriam até ser obrigados a manter suas aplicações financeira­s em fundos cegos, isto é, em que os beneficiár­ios desconhece­m as posições assumidas pelos administra­dores. É frequente, afinal, que magistrado­s decidam sobre causas bilionária­s envolvendo empresas das quais podem possuir ações.

E há ainda o problema das relações familiares. Advogados são uma categoria endogâmica. Boa parte dos ministros tem parentes próximos atuando em escritório­s com ações que tramitam em suas cortes. Regras mais rígidas de suspeição seriam bem-vindas.

À Justiça não basta ser honesta, ela precisa parecer honesta. E não tem parecido.

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