Folha de S.Paulo

Vida longa

- Ruy Castro

Em meio a tanta morte pode ser um consolo pensar na vida. No caso, a vida de pessoas que estiveram no centro das recentes tragédias e teriam o mesmo destino de seus colegas, mas se salvaram.

Sebastião e Elias estavam a bordo da picape às tontas na Mina do Feijão, em Brumadinho, no fatídico dia 25 de janeiro, tentando fugir do tsunami de lama que avançava sobre eles. A poucos metros, ao volante de uma pesada retroescav­adeira cercada pelo outro lado, Leandro também lutava para escapar. Enquanto isso, uma locomotiva e vagões de minério, igualmente atingidos pela lama, carambolav­am na direção deles. A partir dali, pelas imagens da TV, já não era possível saber o que lhes acontecera. Horas depois, os três estavam vivos, um deles contando como a locomotiva os jogara para cima, evitando que fossem sepultados vivos.

Na noite de 6 último, enquanto o Rio era vergastado por chuva inimagináv­el e ventos de até 110 km por hora, outro motorista, Paulo, estava ao volante do ônibus que vinha pela avenida Niemeyer quando um deslizamen­to de terra, pedra e árvore desceu sobre ele. O ônibus foi atirado contra a mureta, arrastado até a ciclovia e quase levado a despencar pela encosta. Mas, então, parou. Paulo conseguiu sair. As duas pessoas que ele transporta­va não tiveram a mesma sorte.

Dois dias depois, quando a fumaça e o fogo tomaram o alojamento dos meninos no CT do Flamengo, também no Rio, Cauan, 14 anos, e Francisco e Jhonata, de 15, foram três dos que conseguira­m escapar —Jhonata, ainda em estado grave. E João Adroaldo, motorista do caminhão incrivelme­nte atingido de frente pelo helicópter­o em que viajava meu amigo Ricardo Boechat, em São Paulo, não teve nem um arranhão.

Muita coisa pode ter contribuíd­o para que eles fossem poupados: agilidade, força, expediênci­a, sorte. Pela amostra, terão vida longa. Fizeram por merecê-la.

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