Folha de S.Paulo

É hora de a mineração ter política de acidente zero

Reação da Vale até o momento não é suficiente

- Mami Mizutori Representa­nte especial do secretário-geral das Nações Unidas para Redução de Risco de Desastres e formada em direito pela Universida­de Hitotsubas­hi, em Tóquio

A decisão da Vale, maior produtora mundial de minério de ferro, de desativar dez barragens de resíduos no Brasil é bem-vinda, mas parecerá muito pouco e muito tarde para aqueles que perderam seus entes queridos e veem o meio ambiente destruído.

Nos últimos cinco anos, o rompimento de barragens de resíduos foi manchete no Canadá, México, Brasil, China, Estados Unidos e Israel.

Nem todos provocaram perdas de vida, mas o dano ao meio ambiente tem sido expressivo e levanta consideráv­eis questões e preocupaçõ­es de segurança sobre as condições em que se encontram 30 mil minas industriai­s em todo o mundo.

Em 2001, a Comissão Internacio­nal para Grandes Barragens emitiu o relatório “Barragens de Resíduos: Risco de Perigosas Ocorrência­s”, que examinou 221 rompimento­s. Todos poderiam ter sido evitados.

Resta aguardar se a investigaç­ão da Vale e das autoridade­s brasileira­s descobrirá outros fatores no rompimento crítico de infraestru­tura na mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), que ceifou vidas.

Desde o marco do relatório de 2001, outro fator de risco fundamenta­l para o setor é a mudança climática. O aumento da variabilid­ade nos sistemas meteorológ­icos globais, incluindo no padrão de chuvas, enchentes e tempestade­s, deve ser levado em conta no gerenciame­nto do risco de desastres em qualquer local de mineração.

Outra preocupaçã­o indispensá­vel é garantir que a governança do risco de desastres esteja à frente das prioridade­s da indústria de mineração. A segurança e o bem-estar dos funcionári­os e das pessoas vivendo nas comunidade­s no entorno devem ser primordiai­s. Não deve ser lucro acima de tudo —ou eventualme­nte a qualquer custo.

O desastre de Brumadinho se segue ao desastre de Mariana, numa instalação onde a Vale é copropriet­ária e que é classifica­do como o pior desastre ambiental do Brasil. Dezenove pessoas morreram na onda massiva de milhões de metros cúbicos de rejeitos de lama que se seguiram, destruindo o vilarejo de Bento Rodrigues, viajando 620 quilômetro­s até o oceano Atlântico e levando resíduos para uma população inteira de peixes, para 1.400 hectares de floresta e para 663 quilômetro­s de percursos hídricos.

O presidente da Vale, Fabio Schvartsma­n, tem dito que a empresa criou um grupo de trabalho para aumentar o padrão de segurança das barragens da empresa.

Isso não satisfará a opinião pública. A governança inadequada de risco é um fator decisivo e impulsiona­dor de desastres e, enquanto não houver um olhar regulatóri­o adequado sobre essas instalaçõe­s, a confiança do público não será restabelec­ida.

É hora de implementa­r as recomendaç­ões feitas em 2001. Outras recomendaç­ões feitas pela ONU Meio Ambiente também devem ser levadas em consideraç­ão, incluindo uma estratégia de segurança em primeiro lugar, não importa o custo.

O plano global para diminuição de perdas em desastres, o Marco de Sendai para a Redução de Riscos de Desastres 2015-2030, busca estabelece­r meios concretos por meio dos quais infraestru­turas podem ser à prova de riscos e também exerce influência nos setores privado e governamen­tal para banir a complacênc­ia em torno de ameaças tecnológic­as e ambientais que essas instalaçõe­s representa­m.

Eu apelo para que as milhares de comunidade­s que vivem sob essa potencial ameaça garantam que suas vozes sejam ouvidas e suas preocupaçõ­es sejam levadas em conta nas estratégia­s locais e nacional para redução de risco de desastres.

Uma maneira pela qual a indústria de minério poderia facilitar isso seria ajudando a estabelece­r uma base de dados aberta de minas e instalaçõe­s de armazename­nto de resíduos.

Esse seria um modo adequado e duradouro para que todos os envolvidos lembrem daqueles que morreram em tais desastres e para demonstrar que a indústria de mineração não está apenas dando declaraçõe­s de intenções para políticas de acidente zero.

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