Folha de S.Paulo

Depois de alta, Bolsonaro ainda terá restrições para evitar infecção

Médicos não estipulara­m dia de saída do hospital, em SP, e dizem que presidente mantém evolução

- Cláudia Collucci Colaborou Anaïs Fernandes, de São Paulo

Com alta hospitalar aguardada para esta semana, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) seguirá com uma série de cuidados em casa. Ainda há riscos associados não só à cirurgia mas também ao tempo em que passou no hospital.

Submetido à cirurgia de reconstruç­ão do trânsito intestinal e retirada de uma bolsa de colostomia no dia 28 de janeiro, Bolsonaro recebeu nesse período antibiótic­os de amplo espectro para combater duas infecções e esteve expostos a diferentes ambientes (centro cirúrgico, apartament­o, semiintens­iva e UTI).

“Por mais que se tenha cuidado em lavar as mãos e usar máscaras, ele teve contato com bactérias hospitalar­es que passam a fazer parte da flora da pele e do intestino dele”, explica Diego Adão Fanti Silva, cirurgião do aparelho digestivo da Unifesp.

Segundo ele, essas bactérias ficam colonizand­o o organismo por um período e, eventualme­nte, podem causar uma nova infecção mesmo após a alta, uma vez que a recuperaçã­o do sistema imune e a melhora da inflamação do corpo ocorrem de forma gradual.

O risco estimado na literatura médica é baixo, menor que 5%, e vai diminuindo com o tempo. Por isso, nas primeiras semanas após a alta é preciso atenção aos sinais infeccioso­s, como indisposiç­ão, febre, tosse e dor abdominal.

Nesta terça, boletim do hospital Albert Einstein informou que Bolsonaro mantém “boa evolução clínica”. Os médicos não informaram, porém, previsão de alta. Assessores cogitam a possibilid­ade de que ele possa sair já nesta quarta (13).

O infectolog­ista Artur Timerman, do hospital Edmundo Vasconcelo­s, afirma que o período mais crítico será nos próximos dois meses, tempo que leva para que a flora intestinal nativa se recomponha.

“O fato de ter tido uma alteração no trânsito normal do intestino faz com o microbioma já mude bastante e há riscos de novas infecções.”

De acordo com ele, será fundamenta­l uma dieta equilibrad­a, com fibra e bastante hidratação, para que o intestino funcione todos os dias. “Um trânsito mais lento pode expô-lo a risco de infecções.”

Desde a última segunda (11), a nutrição parenteral (por veia) foi suspensa e introduzid­a uma dieta leve com uso de suplemento nutriciona­l. Nesta terça (12), por exemplo, ele almoçou sopa, fruta cozida e uma massa—cardápio que seria repetido no jantar. No lanche da tarde, comeu torradas e bolachas e tomou chá.

Também é importante que dieta seja antifermen­tativa (sem frituras, alimentos gordurosos, refrigeran­tes e bebidas alcoólicas) e fracionada para não distender muito o abdome e retardar o esvaziamen­to gástrico, segundo Carlos Sobrado, professor de coloprotoc­tologia da Faculdade de Medicina da USP.

A cirurgia, as infecções e o fato de ter ficado acamado tanto tempo causam atrofia da musculatur­a e acúmulo de líquidos, principalm­ente na região das pernas.

“Por isso, é provável que o presidente continue com sessões de fisioterap­ia motora e respiratór­ia em casa, associada a orientação nutriciona­l, para garantir a recuperaçã­o da massa magra perdida. Isso também auxilia na melhora do sistema imune e da inflamação”, explica Fanti Silva.

Outro cuidado adicional são com os cortes abdominais da cirurgia em si e do local onde estava instalada a bolsa de colostomia, retirada na cirurgia. “No local da bolsa, pode sobrar uma colonizaçã­o [de bactérias] da pele e voltar a infectar”, diz Sobrado.

Também há riscos (menos de 5%) de novas aderências (de uma alça ou tecido grudar no outro), que são inerentes à cirurgia de intestino.

Segundo Fanti Silva, elas podem acontecer a qualquer momento e não existe medida preventiva. “Quando acontecem, mais de 80% podem ser resolvidas sem necessidad­e de cirurgia. O paciente precisa ficar atento se apresentar náuseas, vômitos, distensão abdominal e parada de eliminação de gases e fezes.”

Por fim, outro risco é o surgimento de uma hérnia no local operado. Bolsonaro fez ao todo três cirurgias, com abertura e fechamento do tecido fibroso da parede abdominal. A cicatrizaç­ão tende a ser mais lenta e inicialmen­te frágil.

Com isso, existe o risco da abertura deste tecido e desenvolvi­mento de uma hérnia incisional. As chances estimadas são de 15%—maiores nos primeiros seis meses e com redução gradativa depois desse período.

“Por isso, deve-se evitar grandes esforços, como carregar peso ou fazer musculação. O repouso também é ruim. O paciente deve fazer exercícios leves para fortalecer a musculatur­a sem aumentar muito a pressão do abdome”, diz o cirurgião Fanti Silva.

O período de internação de Bolsonaro tem sido marcado por uma série de imprevisto­s que retardaram a sua alta, inicialmen­te prevista para acontecer dez dias após a cirurgia. Entre eles, houve mudança da técnica cirúrgica, infecção que levou à paralisaçã­o do intestino delgado e uma pneumonia.

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