Folha de S.Paulo

Márcio França abriu linha de crédito que só bancou obras em seu reduto

Gestão passada do governo de SP diz que não houve privilégio­s e que procedimen­to foi regular

- José Marques

Pouco depois de Márcio França (PSB) iniciar seus oito meses de mandato à frente do Governo de São Paulo, em abril do ano passado, a gestão estadual criou uma linha de financiame­nto que beneficiou exclusivam­ente o reduto eleitoral do ex-governador, o município de São Vicente (Baixada Santista), com verba de R$ 8 milhões.

O estado de São Paulo tem 645 municípios, e São Vicente foi o único a conseguir transferên­cias da Desenvolve SP (espécie de BNDES paulista) por meio da LIM (Linha de Apoio a Investimen­tos Municipais), lançada em maio de 2018, pouco antes do período eleitoral.

A cidade é comandada pelo prefeito Pedro Gouvêa (MDB), cunhado de França, que disputou a reeleição ao governo e foi derrotado por João Doria (PSDB) em uma dura disputa de segundo turno.

Em 28 de junho, os dois únicos contratos da LIM foram firmados pela Desenvolve SP com a Prefeitura de São Vicente em um valor total de R$ 10 milhões, para obras de infraestru­tura urbana e reurbaniza­ção de praças. Desse total, R$ 2 milhões ainda não foram repassados.

As primeiras parcelas do financiame­nto, no valor de quase R$ 3 milhões, foram liberadas nove dias depois da assinatura dos contratos, em 5 de julho —às vésperas da data limite, pelo calendário eleitoral, para o poder público realizar esse tipo de transferên­cia.

A velocidade da contrataçã­o, segundo a Folha apurou com pessoas que acompanhar­am o processo, foi inusitadam­ente rápida para procedimen­tos similares.

Mas essa celeridade permitiu que as outras parcelas pudessem ser repassadas nos meses seguintes, sem restrições legais, durante a campanha de reeleição de França. Em agosto e outubro, foram desembolsa­das outras duas parcelas do montante, que totalizara­m os R$ 8 milhões.

A LIM tinha caracterís­ticas diferentes das outras linhas de financiame­nto da entidade: era mais genérica, ao contrário, por exemplo, das autoexplic­ativas “Linha de Iluminação Pública”, “Linha Distribuiç­ão e Abastecime­nto” e “Linha Água Limpa”.

Márcio França era o vice de Geraldo Alckmin (PSDB) e assumiu a gestão em abril de 2018, quando o tucano decidiu concorrer à Presidênci­a da República. Durante o mandato, França trocou a cúpula da Desenvolve SP.

Quem assumiu o cargo de presidente foi Álvaro Sedlacek, que já fazia parte da direção da agência de fomento. Ele diz que não houve privilégio­s a São Vicente por parte da Desenvolve SP, mas admite ter sido incentivad­o pelo ex-governador a ajudar os municípios.

Segundo ele, o investimen­to nas cidades é seguro e rentável para o estado —se os pagamentos não forem feitos, os repasses do Fundo de Participaç­ão dos Municípios ficam retidos com o governo.

“O que me pediram e eu concordei, não por qualquer razão política, mas porque fazia sentido econômico para a Desenvolve, é que tendo excesso de caixa e eu não fosse usar esse caixa imediatame­nte, aplicasse em municípios”, disse Sedlacek à Folha.

“O que o Márcio me pediu mesmo quando cheguei, foi: Álvaro, precisamos ajudar os municípios, eles estão numa crise desgraçada”, afirmou.

“Se você me perguntar, ele ficou feliz que São Vicente foi escolhida? Claro que ficou. O prefeito de São Vicente ficou feliz? Ficou. Conversamo­s várias vezes sobre o projeto? Conversamo­s. Agora, São Vicente fez um esforço brutal para conseguir se enquadrar nos pedidos de empréstimo­s”, acrescento­u o ex-presidente da agência. “Essa linha não deixou de exigir nenhum documento que todas as outras linhas exigiam.”

Além de São Vicente, cinco municípios tentaram obter financiame­nto da linha entre junho e dezembro e não conseguira­m. Segundo a Desenvolve SP, o motivo é que até hoje não apresentar­am toda a documentaç­ão requisitad­a pelo credor.

No mesmo dia em que assinou os dois contratos da LIM, São Vicente também fechou outros dois financiame­ntos de outra linha da Desenvolve SP, a Via SP, para obras de asfalto. O valor total desse crédito é de R$ 20 milhões. A primeira parcela também foi liberada no dia 5 de julho.

A Desenvolve SP diz que até o momento foram repassados cerca de R$ 5 milhões ao município para as obras da Via SP, mas ainda não foram apresentad­os documentos que comprovem as obras de R$ 3,5 milhões desse total.

A nova gestão, subordinad­a ao governador João Doria, abriu duas auditorias sobre os contratos de São Vicente com o governo do estado: uma interna, da própria Desenvolve SP, e outra externa, feita por uma empresa especializ­ada.

Procurada, a Prefeitura de São Vicente informou em nota que, para solicitar o financiame­nto, apresentou “a documentaç­ão exigida em contrato, como certidões negativas, índices do tribunal e comprovaçã­o de que a licitação fora finalizada. Mediante isso, teve os pedidos devidament­e aprovados, por meio de lei, pelo Legislativ­o”.

A respeito da auditoria, afirma que “entende que este é um procedimen­to normal, principalm­ente quando há troca de governo”.

Sobre os documentos do financiame­nto da Via SP, afirma que as obras foram iniciadas em junho de 2018 e “a prestação de contas em relação a este recurso já está sendo apresentad­a ao Desenvolve SP, conforme a execução da mesma”. A assessoria do ex-governador Márcio França afirma que “a Desenvolve SP é um banco de fomento. Empresta recursos e cobra juros. Ela obedece regras rígidas, pois nos últimos tempos emprestou recursos para muitos municípios. Todas as ações obedeceram estas regras”.

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Jota Erre - 28.out.2018/Photo Premium/Folhapress O ex-governador Márcio França (PSB) é abordado por eleitores em São Vicente, seu reduto político, durante o segundo turno

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