Folha de S.Paulo

Brasil utiliza banco russo para pagar Venezuela por energia

- Ricardo Della Coletta Com Mariana Carneiro

O governo brasileiro utilizou um banco russo para pagar o regime do ditador Nicolás Maduro pela energia utilizada em Roraima, estado dependente da eletricida­de do país vizinho desde 2001.

Trata-se de uma triangulaç­ão financeira adotada pela Eletronort­e para retomar os pagamentos à estatal venezuelan­a Corpoelec e garantir que não seja interrompi­do o abastecime­nto do único estado não conectado ao SIN (Sistema Interligad­o Nacional).

Os pagamentos estavam bloqueados em razão de sanções aplicadas pelos EUA, que dificultam operações bancárias com a Venezuela.

A dívida acumulada pela Eletronort­e pelo fornecimen­to de eletricida­de a Roraima chegou a US$ 40 milhões.

Um documento interno que circula entre membros do governo, obtido pela Folha, revela que o Brasil adotou a rota financeira alternativ­a, fazendo as remessas passarem por uma instituiçã­o russa. A Rússia é uma das potências que mantém apoio a Maduro.

A triangulaç­ão da operação foi confirmada ainda por duas pessoas do governo que acompanham o tema.

Esses interlocut­ores afirmam que um primeiro depósito foi feito em dezembro, no valor de cerca de US$ 1 milhão. A quantia foi paga a título de reparação de avarias na linha de transmissã­o, mas o objetivo do governo era também verificar se a rota era exitosa para transferên­cias futuras.

Tampouco informaram se houve depósitos nos meses subsequent­es, após a posse do presidente Jair Bolsonaro (PSL).

Uma das pessoas ouvidas disse que, com a retomada do fluxo de pagamentos, a dívida do Brasil com a Venezuela foi reduzida.

Houve ainda uma outra mudança para facilitar o envio do dinheiro à Venezuela. O contrato inicial previa pagamento em dólar, mas a nova rota financeira prevê a conversão da dívida para euros.

Desde que assumiu, Bolsonaro rompeu o diálogo com o regime chavista. Além de afirmar que Maduro é um mandatário ilegítimo, o brasileiro reconheceu o líder opositor Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela.

Mas pessoas que acompanham o assunto argumentam que a questão deve ser analisada fora do conflito político, uma vez que está em jogo a segurança energética de um estado.

A Folha perguntou à Eletronort­e e ao Itamaraty qual banco russo está intermedia­ndo os pagamentos e quanto já foi efetivamen­te transferid­o, mas nenhum dos dois respondeu.

“A Eletronort­e e a Corpoelec continuam adotando as tratativas para viabilizar os pagamentos das faturas da energia elétrica suprida, conforme estabeleci­do no contrato”, disse a estatal, em nota.

“Trata-se de operação comercial entre duas empresas. A vendedora [Venezuela] indicou conta para pagamento da energia consumida. Não há envolvimen­to da Embaixada do Brasil em Moscou”, afirmou o Itamaraty.

Caracas adotou uma estratégia semelhante para receber recursos provenient­es de exportação de petróleo, segundo a agência Reuters: a petroleira estatal PDVSA pediu aos clientes que paguem seus compromiss­os numa conta no banco russo Gazpromban­k.

Com isso, a Venezuela tentam fugir do cerco financeiro estabeleci­do pelos EUA, permitindo a entrada no país de moedas fortes (dólar e euro).

Brasília discutiu solucionar o débito com a Venezuela a partir de um encontro de contas com a dívida de US$ 795 milhões que Caracas contraiu para financiar linhas de exportação. Mas foi dada preferênci­a à triangulaç­ão financeira.

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