Folha de S.Paulo

Jornalismo virou crime sob Ortega, diz editor

Principal jornalista da Nicarágua, Carlos Chamorro deixou país após ataque a seu site e se refugiu na Costa Rica

- Sylvia Colombo

“O exercício do jornalismo na Nicarágua está criminaliz­ado”, diz à Folha, por telefone, Carlos Fernando Chamorro, editor do site de notícias El Confidenci­al.

Chamorro deixou a Nicarágua clandestin­amente em janeiro e pediu refúgio na Costa Rica, junto com a mulher, Desirée Elizondo, também jornalista e editora de revistas.

A escalada de autoritari­smo do regime de Ortega começou em abril de 2018, após a promulgaçã­o de um pacote de cortes em pensões.

As manifestaç­ões foram reprimidas de forma violenta. A estimativa é de mais de 300 mortes, entre elas a de uma brasileira, enquanto 500 pessoas estão presas, segundo o Centro Nicaraguen­se de Direitos Humanos.

Chamorro é o principal jornalista nicaraguen­se e a principal voz contra a ditadura de Ortega. Além disso, é figura pública de importânci­a no país centro-americano pela história de sua família e suas trajetória­s política e jornalísti­ca.

Seu pai, Pedro Joaquín Chamorro (1924-1978), foi editor do La Prensa, único jornal de oposição durante a ditadura dos Somoza. Acabou sendo assassinad­o.

Sua mãe, Violeta Chamorro, participou do movimento para derrotar o último dos Somoza e foi presidente entre 1990 e 1997. Hoje, aos 89 anos, não participa mais da vida política da Nicarágua.

Carlos Chamorro fazia oposição ao governo de sua mãe, pois dirigia o Barricada, o órgão de apoio do partido oficial do sandinismo, que havia tomado as rédeas da Revolução Sandinista (1979). Nessa época, era próximo a Ortega, um dos líderes da revolução.

“O sandinismo era algo defensável, mas traiu todas as suas bandeiras. Fez alianças com a direita, caminhou para a direção antidemocr­ática de almejar ser um país de partido único, não avança em termos de direitos civis e reprime opositores. Virou uma ditadura”, afirma.

Chamorro já tinha vivido dois ataques diretos de Ortega. Primeiro, um saque às instalaçõe­s do El Confidenci­al. Objetos pessoais, documentos e computador­es dos jornalista­s foram levados.

Dias depois, os profission­ais foram impedidos de entrar no imóvel que abrigava a publicação, agora ocupado pelas forças de segurança.

“Eles têm toda a nossa documentaç­ão e material sobre investigaç­ões em curso, portanto podem armar qualquer tipo de acusação contra nós.”

A decisão de deixar o país veio após a prisão de Miguel Mora, diretor da emissora 100% Notícias, também de oposição. Mora segue preso.

Assim como Chamorro, outros jornalista­s de seu grupo saíram da Nicarágua por questões de segurança. “Estamos, transmitin­do o programa de um local secreto, e com o que restou de nossa equipe na capital, Manágua”, explica. “Mas não podemos sair todos, pois isso seria capitular. Deixaríamo­s de reportar o que está acontecend­o. A ideia é seguir até que possamos voltar. O que não vai acontecer é que consigam nos deixar calados.”

Outros veículos de comunicaçã­o, como o La Prensa, o El Nuevo Diario e o Metro, estão sofrendo com o confisco de recursos e ameaças.

Durante o Hay Festival, em Cartagena, na Colômbia, no último fim de semana, a ativista de direitos humanos nicaraguen­se e ex-mulher de Mick Jagger, Bianca Jagger, pediu que a mídia internacio­nal também desse a devida atenção à Nicarágua. Afinal, disse, nos dois últimos anos, o número de mortos na Nicarágua foi o dobro dos da Venezuela.

Como Chamorro, Bianca foi uma entusiasta da Revolução Sandinista. Porém, desde que Ortega voltou ao poder, em 2006, a escalada autoritári­a tem sido muito rápida.

A oposição foi impedida de participar das eleições, a imprensa tem sido sufocada, há presos políticos e, desde abril, mais de 300 manifestan­tes foram mortos pelas forças do governo e pela milícia chamada de Juventude Sandinista.

“Ortega hoje comete os mesmos abusos que combateu no passado, por parte de Anastasio Somoza. Tudo o que ele fazia de ruim e que nós combatíamo­s, Ortega está repetindo”, diz Jagger.

Chamorro descreve a escalada de violência de Ortega: primeiro a oposição, depois os manifestan­tes e, agora, os jornalista­s.

Ele explica que, na Costa Rica, está recebendo apoio de emissoras locais para reproduzir seu programa e que estão surgindo meios digitais nicaraguen­ses baseados em outros países, como a Espanha.

“Mas o essencial é voltarmos à Nicarágua, não podemos deixar Ortega sozinho lá dizendo o que é certo e o que é errado.”

As “notícias” locais têm um canal oficial: a transmissã­o em cadeia nacional que, todos os dias, realiza Rosario Murillo, vice-presidente e mulher de Ortega, na qual conta apenas os feitos positivos do governo.

Ao ser indagado sobre a comparação entre a situação de seu pai durante a ditadura somozista e a sua, Chamorro disse que os métodos de perseguiçã­o são parecidos, mas que a imprensa é diferente.

“Na época, o jornal dele era a única voz contra os Somoza. Hoje, se eu sair de campo, haverá quem continue. Por outro lado, na época de meu pai, a imprensa era mais influente, enquanto hoje o povo nicaraguen­se que consome notícias ou que tem consciênci­a política é menor. Creio que é uma batalha que precisa continuar, e o exemplo de meu pai serve de inspiração.”

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Oswaldo Rivas/Reuters Carlos Chamarro entrega denúncia contra polícia por ataque a seu site

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