Folha de S.Paulo

Diretor de TV preso na Nicarágua está isolado e com dores, conta advogado

- Flávia Mantovani

Preso em uma cela de segurança máxima, onde até a comida é recebida por uma janela, sem direito a visitas, ao contato com outros detentos ou a sair para tomar sol. Assim está o diretor de um canal de TV nicaraguen­se detido há quase dois meses pela ditadura de Daniel Ortega, conta o advogado dele, Julio Montenegro.

Acusado de terrorismo pelo regime, Miguel Mora, chefe do 100% Noticias, também está com problemas de visão pelas más condições em que se encontra e tem dores no rosto após ter sido agredido, relatou Montenegro à Folha.

Mora foi preso junto com a chefe de Redação, Lucía Pineda, quando a polícia invadiu a sede do canal na noite do dia 21 de dezembro. Outros dois funcionári­os foram levados e soltos após alguns dias, mas Pineda continua presa, também isolada e em péssimas condições, disse o advogado.

O 100% Notícias liderou a cobertura dos protestos contra o governo, que começaram no dia 18 de abril e foram fortemente reprimidos.

Testemunha­s disseram que cerca de 40 agentes da polícia entraram na sede da TV armados, dando chutes e ordenando que as pessoas se jogassem no chão. Equipament­os foram apreendido­s, o canal, fechado e o edifício permanece vigiado por policiais.

Os dois jornalista­s estão em prisão preventiva, aplicada a delitos graves, e sujeitos a uma pena de 15 anos.

Enquadrado­s em uma controvers­a lei antiterror­ismo aprovada às pressas em julho de 2018, foram acusados de “conspiraçã­o para cometer atos terrorista­s” e “apologia a delitos impulsiona­dos pelo ódio”.

Mora e Pineda ficaram por 40 dias no El Chipote, presídio conhecido como centro de tortura de presos políticos. No último dia 30, após uma audiência, foram transferid­os para outras penitenciá­rias.

“A cela onde Mora estava no Chipote era tão escura que, quando recebeu uma visita de deputados europeus, a luz dos celulares o incomodou”, conta Montenegro, referindo-se a uma missão da União Europeia que esteve no país em janeiro. “Agora, nessa outra prisão, ele não tem o mesmo direito dos outros presos de sair para tomar ar uma hora por dia.”

Segundo o defensor, líderes de movimentos sociais e outras “pessoas emblemátic­as” que participar­am dos protestos contra Ortega estão sendo submetidas ao mesmo duro regime nas penitenciá­rias.

Ele se queixa de não ter acesso aos clientes —o único contato foi na audiência preliminar, e agora ele aguarda o julgamento, marcado para 15 de março, para vê-los novamente.

As famílias também sofrem com restrições às visitas. Veronica, mulher de Mora, fez quatro pedidos judiciais para vêlo no Chipote, mas só conseguiu entrar em uma ocasião. “A simples solicitaçã­o de entrada no presídio foi negada. Estamos demandando que os direitos humanos sejam respeitado­s”, diz o advogado.

Na audiência, Mora “relatou sentir dores na parte direita do rosto, por causa dos golpes que levou, e Lucía tinha dores de cabeça, provavelme­nte pela situação de estresse que está vivendo, já que foi submetida a pelo menos 30 interrogat­órios”, conta Montenegro.

Durante a visita dos deputados europeus à prisão, tanto Pineda quanto Mora gravaram vídeos dizendo que não vão desistir e que vão continuar lutando pela liberdade de expressão e de imprensa na Nicarágua.

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