Folha de S.Paulo

Efeito Vale põe em risco 14% da produção de ferro do país

Analistas alertam para restrições ao setor após tragédia de Brumadinho

- Danielle Brant e Nicola Pamplona Pilar Olivares/Reuters

Especialis­tas preveem que produtores globais de minério de ferro terão dificuldad­es para suprir os cortes de produção no Brasil após o desastre em Brumadinho (MG), o que deve manter a pressão sobre os preços no mercado mundial.

Para a Vale, os cortes podem representa­r redução de até US$ 1,2 bilhão (cerca de R$ 4,4 bilhões) em sua geração de caixa, segundo estimativa do banco BTG.

Até agora, a mineradora suspendeu operações que produziam 51 milhões de toneladas por ano, o equivalent­e a cerca de 10% da produção brasileira.

Analistas consideram a possibilid­ade de novos cortes a partir de medidas restritiva­s do governo sobre minas com a mesma tecnologia da de Brumadinho —cujo rompimento

deixou, até o momento, 165 mortos e 160 desapareci­dos.

Cícero Machado, analista principal para minério de ferro e aço da consultori­a Wood Mackenzie, diz que o corte pode chegar a 70 milhões de toneladas, ou 14% da produção brasileira, consideran­do a suspensão das atividades em barragens da Vale que usam a técnica de alteamento a montante, a mesma adotada em Mariana e Brumadinho.

Ele vê ainda a possibilid­ade de a ANM (Agência Nacional de Mineração) banir as operações em empreendim­entos do tipo —o maior corte de produção hoje é da mina de Brucutu, principal operação da Vale em Minas Gerais, que foi determinad­a pela Justiça.

“São 50 milhões de toneladas por ano de todo o portfólio da Vale que saem do mercado transoceân­ico”, diz Machado.

Se a ANM decidir banir barragens do tipo, outros produtores no país poderão ser parcialmen­te afetados, como CSN, Gerdau e Usiminas, esti-

ma o analista.

“Isso dá força para que os preços, atualmente na faixa de US$ 90 [R$ 334] por tonelada, subam para a faixa de US$ 100 [R$ 370] a US$ 105 [R$ 390] por tonelada”, avalia.

Na semana passada, os preços internacio­nais chegaram a testar a faixa dos US$ 100 pela primeira vez desde 2014.

De acordo com Machado, as principais rivais da mineradora brasileira, a anglo-australian­a BHP Billiton e as australian­as

FMG e Rio Tinto, não têm capacidade para suprir a lacuna deixada pela mineradora brasileira ou de fornecer o minério com o mesmo teor de ferro da brasileira, com índice entre 65% e 70% e que tem alta demanda de siderúrgic­as chinesas.

“Quanto mais perda de produção a Vale experiment­ar neste ano, mais difícil será para outros produtores conseguire­m compensar a falta. E mais alto os preços do miné-

rio vão”, concorda Hui Shan, estrategis­ta sênior de commoditie­s do Goldman Sachs.

Shan estima que a Vale perderá 30 milhões de toneladas neste ano e que o preço do minério terá uma média de US$ 73 (R$ 271) por tonelada.

A empresa já informou que compensará parte das perdas com aumento da produção em outras minas, mas declarou força maior em contratos da mina de Brucutu, em um sinal de que vê dificuldad­es para substituir todo o volume.

“O impacto de mais longo prazo, em contratos de fornecimen­to e disponibil­idade, ainda precisa ser visto, e os mercados estão tentando entender as mudanças esperadas em embarques e preços”, afirma Hector Foster, analista de metais e materiais brutos da S&P Global Platts.

Machado tem a avaliação de que a Vale poderia ampliar em até 15 milhões de toneladas por ano a produção na mina S11D, o mais novo projeto da companhia, no Pará. E que outros 5 milhões de toneladas poderiam vir do Sistema Sul Sudeste, que compreende as operações de Minas Gerais.

Mas a qualidade do minério que pode ser colocado no mercado é outra incógnita.

“A China tem buscado minério de ferro de mais alto teor, para aumentar a produtivid­ade dentro do seu sistema. As australian­as não têm o produto com qualidade superior como a Vale tem”, diz o analista da Wood Mackenzie.

Em entrevista nesta terçafeira (12), o diretor de Finanças e Relações com Investidor­es da Vale, Luciano Siani, evitou comentário­s sobre o corte na produção, alegando que a prioridade é a reparação dos danos e o conforto a famílias.

“Nós tomamos a decisão de paralisar as operações próximas a barragens com alteamento a montante”, disse ele.

A companhia questiona a decisão judicial de paralisar a barragem de Jangada, que levou à suspensão das operações de Brucutu, alegando que se trata de estrutura com método convencion­al.

Ainda de acordo com o BTG, caso os cortes de produção durem apenas três meses, a cifra cai para US$ 300 milhões (R$ 1,1 bilhão). A conta considera o minério de ferro a US$ 70 (R$ 260) por tonelada.

Mesmo que consiga ampliar a produção, a Vale o fará com minério menos competitiv­o e enfrentará aumento de custos, dizem analistas do UBS. Eles estimam alta entre US$ 2 (R$ 7,5) e US$ 3 (R$ 11,3) por tonelada.

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Luciano Siani, diretor de Finanças e Relações com Investidor­es, em entrevista no Rio, nesta terça-feira (12)
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