Folha de S.Paulo

Reforma da Previdênci­a no hospital

Congresso tem bons e maus motivos para adiar voto da mudança das aposentado­rias

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

Saber o destino da Previdênci­a renderia um bom dinheiro até para quem conhece apenas operações rudimentar­es no mercado financeiro. Não é, pois, por acaso nem necessaria­mente por preocupaçã­o com o futuro nacional que os negociante­s de tutu grosso tentam fazer prognóstic­os precisos sobre a reforma.

A depender das probabilid­ades do que Jair Bolsonaro e o Congresso vão decidir, ações e juros irão para lá ou para cá, é óbvio.

Quem lê seções de economia e finanças deve ter visto especulaçõ­es sobre “Bovespa em 120 mil pontos” (alta de 25% em caso de sucesso da reforma, chuta-se). Menos “pop”, lê-se que, no caso de o país tomar o caminho luminoso das reformas, as taxas de juros de longo prazo cairiam logo para perto de 4%, chance de ganhar bom dinheiro fazendo apostas de curto prazo com títulos do governo (“Tesouro Direto”).

Isto posto, a gente sabe muito pouco de como vai se desenrolar a reforma, apesar da minúcia amalucada das especulaçõ­es. Bolsonaro vai receber o projeto antes ou depois do almoço do primeiro dia depois da alta do hospital? Sim, sarcasmo.

Seja lá como for, há um tempo consideráv­el de tramitação no Congresso, o que tem sido objeto de calculismo­s divertidos de consultori­as e casas financeira­s. As comissões da Câmara terão apreciado o projeto do governo e fechado um texto até abril? Aprovação em maio? Junho? Agosto?

Pelas normas de tramitação, a Câmara pode votar a coisa até em maio, caso o presidente reassuma logo a cadeira ora vazia da Presidênci­a e não peça mudanças que alterem a espinha da reforma. Difícil, porém, estimar esse tempo pensando apenas em experiênci­as anteriores de reforma ou prazos regimentai­s.

Qual será o tempo político da reforma? Rodrigo Maia (DEMRJ) tem demonstrad­o que quer uma tramitação rápida, mas sem atropelar normas e os tantos e diversific­ados aliados políticos que o reconduzir­am ao comando da Câmara dos Deputados. Isto é, a votação vai para a virada de maio para junho. Mas tem mais caroço nesse angu.

Será logo na reforma da Previdênci­a que um Congresso até agora largado pelo governo fará a primeira e talvez maior experiênci­a de como é possível extrair compensaçõ­es de Bolsonaro, pelos piores e melhores motivos. Essa negociação vai definir o tempo político da tramitação no Parlamento.

Além do mais, como a história prega suas peças, pode haver pressão da rua (improvável, dada a ruína da esquerda) ou de redes sociais. Pode haver algum escândalo no caminho, denúncias contra líderes do governo ou do governismo.

Apenas com muita competênci­a e sorte o governo aprova a reforma na Câmara antes do recesso de meio de ano. Quanto mais tempo, mais chance para o azar.

Enfim e para voltar ao começo, nem sabemos que reforma haverá. Ainda circulam ideias doidas como idades mínimas regionais ou regras de transição loucamente duras, como aquelas do rascunho que vazou da reforma, por exemplo.

Ou o pessoal do governo está nos dando um baile com múltiplas versões fictícias do projeto ou não sabe ainda o que fazer, o que seria grave.

Comenta-se que Bolsonaro vai definir o formato final do projeto como se o presidente fosse escolher o almoço em um cardápio. Até pode ser simples assim. Então, Bolsonaro teria apitado pouco sobre o assunto.

Mudanças relevantes em assuntos como idade mínima, regras de transição, benefícios assistenci­ais, pensões e valor de benefícios podem exigir um recálculo importante da reforma. Ficaria para o Carnaval?

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