Folha de S.Paulo

Reduzir crimes não depende só de leis

Propostas legislativ­as de Moro não terão efeito sem medidas executivas

- Ilona Szabó de Carvalho Empreended­ora cívica, mestre em estudos internacio­nais pela Universida­de de Uppsala (Suécia). É autora de “Segurança Pública para Virar o Jogo”

Garantir o cumpriment­o da lei é dever central de um Estado Democrátic­o de Direito. Mas, quando o assunto é segurança pública, a lei penal responde por apenas uma parte do esforço necessário para a redução de crimes. Não é de hoje que a receita mais popular para diminuir a criminalid­ade no Brasil se concentra em aumentar as penas, prender mais e endurecer a resposta policial. E seu êxito é bastante limitado, como nossa triste realidade demonstra por si só.

A escolha do ministro Sérgio

Moro de começar com propostas legislativ­as que em sua maior parte se propõem a fechar brechas na execução penal reflete sua experiênci­a anterior como juiz de direito.

Mas, sem as medidas executivas para melhorar a gestão, o treinament­o, a capacidade de investigaç­ão e operação das polícias e os presídios estaduais, as mudanças nas leis não surtirão o impacto esperado. Como exemplo, vale lembrar que só cerca de 20% dos homicídios são esclarecid­os pela Polícia Civil no país e menos

de 10% chegam a ser julgados.

Certamente, temos muito a avançar em nossa legislação penal, mas com cautela. Por exemplo, não podemos transplant­ar modelos de sociedades anglo-saxãs, onde as instituiçõ­es legais estão sujeitas a nível muito mais rigoroso de controle social, sem o devido debate e adaptações.

Também não podemos cair na perigosa tentação de ceder às promessas populistas de campanha feitas pelo presidente, que, assim como o decreto das armas, tendem a trazer

mais violência do que alento. Isso pode ser desabonado­r para o mandato de Moro de combater a corrupção, o crime organizado e o crime violento.

De um lado, são bem-vindas propostas que avançam no combate à corrupção e os esforços de coleta de informação para fortalecer a capacidade de investigaç­ão das polícias, como o banco de balística, o de DNA, o biométrico e o de impressões digitais, desde que a gestão dessas informaçõe­s seja feita com muita responsabi­lidade e respeito às

normas de privacidad­e.

A busca pela celeridade no cumpriment­o da pena, em especial para casos de homicídios, pode ajudar a aumentar o valor da vida e contribuir para diminuir a impunidade e os incentivos perversos para os que cometem esses crimes. Mas sem abrir mão do devido processo legal.

De outro lado, são muito preocupant­es as medidas que tendem a ampliar o direito à legítima defesa. As figuras de “escusável medo, surpresa ou violenta emoção” são demasiado vagas para aplicação e trazem o risco de se normalizar o já comum excesso no uso da força no país. Policiais hoje já têm direito à legítima defesa. Além disso, pouquíssim­os dos mais de 5.000 casos de mortes por policiais no país sequer chegam a ser investigad­os.

O que precisamos, na verdade, é de agentes de segurança

pública valorizado­s, bem treinados e equipados, que usem a força como último recurso.

O uso de câmeras corporais, que já vem sendo testado com resultados positivos em diversas partes do mundo, e um Ministério Público atuante em sua função de controle externo da atividade policial, protegeria­m muito mais a sociedade e o bom policial.

Muitos outros pontos do pacote anticrime merecem atenção e amplo debate. Mas é urgente que se apresente em paralelo o Plano Nacional de Segurança Pública com ações para cada ente federativo e Poder do Estado, que envolva a sociedade civil e tenha metas claras à altura da esperança dos brasileiro­s que apostaram que esse tema teria o tratamento prioritári­o e adequado pelo novo governo. Ninguém aguenta mais chorar sobre o sangue derramado.

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