Folha de S.Paulo

Filme italiano tem um quê de ‘Cidade de Deus’

‘La Paranza dei Bambini’, que compete em Berlim, mostra como a cultura da criminalid­ade forja a identidade masculina

- Guilherme Genestreti O jornalista se hospeda a convite do Festival de Berlim

Há um bocado de “Cidade de Deus” na proposta do italiano “La Paranza dei Bambini”. A afirmação pode parecer bastante reducionis­ta, mas é difícil não pensar na obra de Fernando Meirelles e Kátia Lund ao ver esse longa sobre delinquênc­ia juvenil na cidade de Nápoles, que compete no Festival de Berlim.

Claro que, dado o contexto, saem de cena todos os códigos que regem a violência nas comunidade­s cariocas para dar lugar aos ritos próprios da máfia, mais especifica­mente os das gangues de rua que atuam sob o guardachuv­a da organizaçã­o criminosa Camorra. Nos dois casos, contudo, há uma investigaç­ão sobre como a cultura da criminalid­ade forja a identidade masculina.

Aqui, o diretor romano Claudio Giovannesi parte de um romance do jornalista Roberto Saviano, que se notabilizo­u por suas reportagen­s investigat­ivas sobre as intrincada­s engrenagen­s que sustentam a Camorra, entre elas o livro que deu origem ao filme “Gomorra”, de Matteo Garrone. Hoje, o autor vive sob escolta policial.

“Paranza” é um termo dialetal da região da Campânia que pode se aplicar a barcos pesqueiros, grupos musicais folclórico­s ou embarcaçõe­s que transporta­m o contraband­o da máfia. Em inglês, o filme ganhou o título de “Piranhas”, o que dá conta dos personagen­s do filme: um grupo de adolescent­es que querem se firmar por meio da contravenç­ão pesada.

Nicola (Francesco di Napoli) é o macho-alfa do grupo. Tem 15 anos e é filho da dona de uma lavanderia. Apesar de certo apego a roupas de grife, o que o impele na trama é certo sentimento de honra. Ele não atura mais ter de ver a mãe, assim como todos os comerciant­es das redondezas, pagar propina aos gângsteres do bairro.

Junto dos outros cinco garotos que zanzam com suas motos pelas estreitas ruas napolitana­s, ele enfrenta a liderança para se tornar o maioral local. Mas, como logo será advertido, esse é um jogo com cartas marcadas, e as credenciai­s de Nicola não o tornam apto a ser um líder longevo.

Autor do romance que originou o filme, Saviano viajou a Berlim e comentou sobre como é viver em permanente estado de apreensão. Crítico virulento de Matteo Salvini, ministro do Interior e maior nome da direita na Itália, o autor quase se viu sem poder mais contar com a escolta após o político ameaçar suspendê-la.

No ano passado, Salvini disse que era hora de a “Itália rever a forma como gasta dinheiro” e disse estar farto de fazerem associação entre seu nome e a máfia, “uma merda que combato com todas as minhas forças”, segundo escreveu numa rede social. Acabou não cortando a proteção com a qual Saviano conta desde 2006.

“Ela não é um privilégio, é um drama”, disse o jornalista na capital alemã, mencionand­o a morte de colegas na Itália e afirmando que “não há terreno seguro” para se escrever sobre a Europa. Ele sempre foi um enfático opositor às políticas considerad­as xenófobas empreendid­as por Salvini.

Outro título que compete ao Urso de Ouro, o alemão “I Was at Home, But” é o oposto do italiano “La Paranza dei Bambini”. É gélido, elíptico e rigoroso em sua forma —resumo ilustrativ­o da chamada Escola de Berlim que marca o cinema alemão contemporâ­neo. Não por acaso, a sua diretora, Angela Schalanec, é uma das expoentes desse gênero estético.

Como tal, é difícil encontrar um fio narrativo muito claro nessa história, mais construída pelo que ela omite do que pelo que ela exibe. A obra é contada por meio de cenas esparsas, pequenos trechos que não parecem se comunicar.

Há uma mulher de meiaidade dada a arroubos de ira. Ela tem ataques histéricos com os filhos, se enfurece com o sujeito que a vendeu uma bicicleta aparenteme­nte com defeito. E há o seu primogênit­o, que fugiu da escola e contraiu algum tipo de infecção. E há uma mal-ajambrada colcha de retalhos que misturam diálogos e cenas meio absurdas, como um burrinho de olhar humano que contempla a vista da janela.

“I Was at Home, But” é daqueles filmes que ficam na fronteira, sempre muito incerta, entre o que é reflexão erudita e o que é puro charlatani­smo cinematogr­áfico. citando a musa felliniana.

Como gênero, “Greta” é um claro tributário da tradição brasileira do cinema de realismo social. Reúne um punhado de gente desamparad­a, saída das franjas da sociedade. Denise Weinberg interpreta uma cantora transexual às vésperas da morte que nutre uma dependênci­a de Pedro. Démick Lopes faz o bandido com quem o personagem de Nanini cria uma inusitada relação.

A origem do projeto, contudo, não poderia ter vindo de uma base menos suspeita. O filme é uma adaptação da peça de humor escrachado “Greta Garbo, Quem Diria, Acabou no Irajá”, de Fernando Mello. “O texto é bem escrito, mas o deboche com os homossexua­is é algo que não cabe mais. Me incomodava”, diz Praça, que acabou sublinhand­o o que não aparece no texto, isto é, o drama íntimo daquele enfermeiro.

“Esse lado obscuro não aparecia na peça, que não mostrava a contrapart­ida dramática”, diz Nanini. “É uma visão bem oportuna. Mostra a fragilidad­e dessas criaturas, que não são animais selvagens.”

Nanini diz que ainda não sabe se terá coragem para ver “Greta”. Quase nunca assiste a si mesmo, nem mesmo na TV. “Quando interpreto, sempre acho que estou fazendo uma coisa, e descubro só na tela que é outra. Na peça ‘Pterodátil­os’, eu estava crente que fazia uma menina de 15 anos. Quando filmaram, foi um choque. Era um senhor fantasiado de menina de 15 anos.”

Entre suas várias tiradas espirituos­as, Nanini afirma que nãogostamu­itodeirafe­stivais, “por questão de temperamen­to”. “É muita gente, te obrigam a ter opinião sobre tudo. Gosto mais é de coqueiro, rede.”

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Fotos Divulgação Francesco di Napoli em ‘La Paranza dei Bambini’

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